«As Bestas» é um brilhante tratado sobre a compreensão do comportamento e o ódio humano. O exercício de masculinidade e violência desenrola-se numa pequena aldeia perdida nas colinas da Galiza. «As Bestas» arrasou os Goya em 2023, com prémios nos principais galardões do cinema espanhol, e prepara-se para arrebatar os espectadores nas salas de cinema de todo o mundo.
Um casal francês deslumbrado pela beleza de uma aldeia galega instala-se no povoado para praticar agricultura biológica e desfrutar a vida e o espaço. Eles tornam-se vítimas da intimidação de dois vizinhos que se sentem prejudicados pela posição do casal face à instalação de moinhos de produção de energia eólica na aldeia. O argumento da contenda é deixado ao arbítrio do espectador, o filme é imparcial nesse debate.
«As Bestas» conquista de mansinho o espectador. Percebemos que existe uma clivagem aberta na relação de dois homens que se vai transformar numa visceral rixa de vizinhos, resultando num antagonismo inevitável e devastador. Um confronto de duas forças que representam diferentes interesses sem capacidade de dialogar a não ser através da masculinidade exacerbada.
A produção franco-espanhola foi realizada com ideias claras e explícitas por Rodrigo Sorogoyen, que também assinou o argumento em conjunto com Isabel Peña. Rodrigo Sorogoyen é uma das novas e vibrantes vozes do cinema espanhol, foi nomeado para um Óscar de Melhor Curta Metragem em 2019 com «Madre».
«As Bestas» é a confirmação de todo o seu virtuosismo e poder visual na arte de dirigir os actores num sufocante thriller psicológico em paralelo com a tensão silenciosa que invade o ecrã em paisagens naturais que tornam ainda mais cruel toda a tragédia humana. A cinematografia de Alejandro de Pablo é impressionante e a orquestração sonora de Olivier Arson cria todo um reportório nos nossos ouvidos, injectando beleza e inquietude nesta trama, sublinhando emoções com sonoridades que enfatizam as florestas, o isolamento mas também o lado primitivo da humanidade.
A força interpretativa deste filme ficou a cargo de quatro belas actuações. O francês Denis Ménochet tem uma performance de corpo e alma criando um personagem instintivo. O galego Luis Zahera interpreta Xan num papel quezilento, atordoante e profundamente real. Estes são bem coadjuvados por Diego Anido no papel de Lorenzo, o irmão palerma e instigador de Xan, e a francesa Marina Foïs, a esposa de Antoine, que é inicialmente o retrato de amor e satisfação perante a comunhão com a natureza e no último terço é o reflexo da dor.
«As Bestas» é um drama inesquecível que transforma uma história comum num épico humano.
Título original: As Bestas Realização: Rodrigo Sorogoyen Elenco: Marina Foïs, Denis Ménochet, Luis Zahera, Diego Anido, Marie Colomb Duração: 137 min. Espanha/França, 2022
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº92, Abril 2023]
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