Digamos que tudo começa como uma comédia de costumes: um professor de francês (Fabrice Luchini) que, ao descobrir num dos seus alunos (Ernst Umhauer) um genuíno talento de escrita, decide apoiá-lo de forma crítica, incentivando-o a continuar a escrever sobre o universo que elegeu como tema…
Acontece que esse universo é o espaço familiar de um outro aluno. A pouco e pouco, num misto de curiosidade e receio, o professor vai-se inquietando com a dimensão de “voyeur” do seu pupilo. As coisas complicam-se porque o professor, desrespeitando o dever de sigilo a que a sua posição o obriga, mostra à sua mulher (Kristin Scott Thomas) os textos do aluno. Ela, por sua vez, reage com crescentes reticências, até porque percebe que a sua vida privada também vai passando pela escrita do talentoso jovem…
Um filme não é, de facto, uma mera acumulação de peripécias. Nem vale a pena insistir em muitos detalhes “descritivos” para explicar o que nele acontece. Em todo o caso, Dentro de Casa vive deste delírio de pormenores, a ponto de, a certa altura, o professor (e, com ele, o espectador) começar a questionar-se sobre o grau de “verdade” ou “mentira” das prosas que vai recebendo. No limite, aquilo que Ozon coloca em cena é o poder primordial da palavra escrita, num tom de comédia trágica (ou tragédia cómica) que se demarca, ponto por ponto, da ostentação tecnológica de muitos filmes contemporâneos.
«Dentro de Casa» é um objecto da mais pura vertigem, colocando em cena as convicções e ilusões que os seres humanos partilham, por vezes, nesse processo, perdendo o próprio sentido de realidade. É o mais realista dos filmes. E a mais artificiosa das narrativas. Simplificando: um dos acontecimentos maiores deste ano de 2013.
Título original: Dans la Maison Realização: François Ozon Elenco: Fabrice Luchini, Ernst Umhauer, Kristin Scott Thomas, Emmanuelle Seigner, Denis Ménochet Duração: 105 min França, 2012
[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº11, Julho/Agosto 2013]
https://youtu.be/ttHEtFejtM4