Ginete da resiliência, Rocky Balboa, o Garanhão Italiano, terá a sua história revisitada pela HBO Portugal, que, de uma só tacada, vai revisitar a série indo desde a ascese do pugilista nos ringues até à sua conversão em treinador do jovem Adonis Creed.
Serão sete filmes de enfiada, com diretores como John G. Avildsen, Ryan Coogler e o próprio Sylvester Stallone comandando a produção. Hoje mítica, a escadaria do Museu de Arte da Filadélfia ficou na História a partir do dia 21 de novembro de 1976, data da primeira exibição pública de «Rocky», que comemorou em 2016 o seu 40º aniversário, num momento no qual o heroísmo marxista representado pelo filme – a volta por cima na luta de classes, com uma redenção do proletariado – parece ter desaparecido das discussões cinéfilas.
Quando vendeu o argumento (escrito em três dias e meio, como ressaca pós uma luta de Muhammad Ali) para a United Artists, sonhando protagonizá-lo, Stallone ouviu nomes mais famosos do que ele serem citados como potenciais escolhas para interpretar o Garanhão Italiano. Os mais cotados eram Robert Redford, Ryan O’Neal, Burt Reynolds e James Caan. Mas Stallone bateu o pé: só venderia o script se o papel central fosse seu. E Irwin Winkler e Robert Chartoff apostaram na escolha, levantando o filme com orçamento de US$ 1 milhão.
Pensaram em Carrie Snodgress e Susan Sarandon para viverem Adrian, mas quem levou a personagem foi Talia Rose Coppola Shire, irmã de Francis Ford. Para o lugar de Apollo, o Doutrinador, pensou-se no boxeador Ken Norton, mas quem ganhou o short com as cores e listas da bandeira dos EUA foi Carl Weathers. Dia 21/11/1976 foi a premiere em Nova Iorque e no dia 3 de dezembro aconteceu a estreia em circuito expandido nos EUA da longa-metragem, que faturou US$ 225 milhões nas bilheterias, rendeu seis continuações (sendo «Creed», de 2015, a mais elogiada), inspirou um musical à Broadway e rendeu uma mítica sem precedentes. E houve também, em torno de Rocky, casos de geopolíticas, como se pode conferir no livro “É Fundamental o Cinema na Vida da Gente”, organizado pela designer Hannah 23, apresentado como dissertação no Brasil, no Instituto Europeu de Design, no Rio de Janeiro, com depoimentos sobre filmes que salvaram vidas.
Está lá a saga do pugilista de esquina que se transforma em ídolo nacional ao desafiar o campeão mundial. Fala-se muito da franquia Balboa também em “The Ultimate Stallone Reader – Sylvester Stallone as Star, Icon, Auteur”, organizado pelo professor Chris Holmlund, da Universidade do Tennessee, com o apoio de um corpo docente de teóricos das maiores faculdades dos EUA. O livro traz Rocky na capa, também numa forma de celebrar os seus 40 anos e entender sua mítica ao longo das décadas, de 1976 para cá. Obrigatório como reflexão sobre a evolução comportamental dos géneros, a partir do audiovisual, o livro, publicado pela Wallflower Press, começa com um mapeamento dos biliões que Stallone rendeu para os estúdios americanos, seja em fenómenos como a franquia Rocky quanto em produções de menor rentabilidade (mas marcadas pela adoração popular) como «O Lutador» (“Over The Top”, de 1987).
Orçado em US$ 35 milhões, «Creed» arrecadou US$ 172 milhões na venda de ingressos. Na comparação com os demais astros de ação, Holmlund mostra que, diferentemente de Schwarzenegger ou Bruce Willis, que apenas atuam, Sly sobressaiu-se em outros terrenos, produzindo, escrevendo e dirigindo. Os professores apontam o facto de que foram raríssimos os atores, em toda a História do Cinema, que conseguiram personificar DOIS personagens icônicos e míticos, como Stallone conseguiu com Balboa e Rambo. Quando recebeu o Globo de Ouro de melhor coadjuvante por Creed, ele chamou Rocky de seu “amigo imaginário”, referindo-se a ele como “o melhor amigo que alguém poderia ter”.
De uma certa forma, Rocky virou o amigo imaginário de todos nós. Longa vida a essa amizade. Vale um capítulo à parte o memorável «Creed – O Legado de Rocky». Revelado em Sundance, há três anos, com o drama juvenil «The Land», Steven Caple Jr. tomou para si a direção de «Creed II» na esteira da consagração autoral de Ryan Coogler, realizador do filme anterior, com «Pantera Negra» (2017). O sucesso de Coogler nas florestas de Wakanda fez com que este optasse apenas por um posto de produtor executivo, deixando o caminho livre para outro cineasta pilotar a saga de Adonis Creed no auge do êxito de seu intérprete, Michael B. Jordan, e da reciclagem midiática da imagem de Stallone, com a conquista do Globo de Ouro, em 2016, pelo regresso (já grisalho) de Rocky Balboa.
A tarefa era difícil, mas Caple Jr. executou-a de maneira impecável, não apenas pela alquimia plena entre sua concepção de tônus trágico de planos e o enquadramento convulsivo do fotógrafo Kramer Morgenthau (de “Game of Thrones”), mas por sua aposta na dimensão afetiva dos antagonistas. Nem John G. Avildsen (1935-2017), artesão por detrás do primeiro e do quinto filme da franquia Balboa, foi capaz de dar tanto relevo emocional aos adversários dos heróis pugilistas da Filadélfia como Caple Jr. faz aqui, a partir do argumento de Juel Taylor e do próprio Stallone, com o apoio de Dolph Lundgren.
O titã sueco dá à figura derrotada de Ivan Drago uma dimensão de mito caído, de Prometeu acorrentado a um passado falido, tão vívida e doída quanto a imagem envelhecida e enlutada que Stallone soube construir para o Garanhão Italiano. Na trama, Drago regressa de um buraco ucraniano, 32 anos após ter morto Apollo Creed, o Doutrinador (Carl Weathers), para desafiar o herdeiro deste, Adonis (Jordan, sempre preciso). Os punhos que hão de bater de Adonis não serão os de Drago e sim de seu filho, Viktor, vivido por Florian Munteanu, que apesar de ter poucos recursos cénicos, transmite uma angústia que nenhum rival de Rocky teve. Na montagem, a edição das viradas dramáticas de afeto, paralelas aos combates, são tão frenéticas quanto as lutas em si.
E o auge da fúria vem quando uma velha conhecida da série, Ludmilla (Brigitte Nielsen, a ex de Sly), a mãe de Viktor, reaparece, como um mimo cinéfilo: seu desdém dói mais que qualquer knockout, num filme que coroa o desejo de Lundgren de envelhecer como um ator respeitável, reinventando-se assim como Stallone se reciclou. E assim como Brigitte traz potência do feminino para um universo sobre os códigos da virilidade e do emasculamento, as atrizes Tessa Thompson (como Bianca, a mulher de Adonis) e (a ótima) Phylicia Rashad, a viúva de Apollo, têm espaço em cena para escavarem complexidade para suas personagens.