Estamos em 2001, no rescaldo do atentado do 11 de Setembro, mas em Bremen, na Alemanha. Murat é um dos filhos de Rabiye Kurnaz (Meltem Kaptan), uma dona de casa e mãe afetuosa de uma família emigrante turca que escolheu um país europeu para viver, assim como Cem e Atilla, os filhos mais novos.

Um dia, Murat não está no quarto e a mãe desespera por não saber notícias suas, até perceber que ele viajou para uma cidade do Paquistão, com outro amigo. Depois de contactar a polícia, Rabiye descobre que o filho querido foi feito prisioneiro no campo de detenção americano de Guantánamo. Desesperada para ajudar o primogénito, pede ajuda a Bernhard Docke (Alexander Scheer), um advogado de direitos humanos que, sem saber bem como, se vê envolvido num dos casos mais intensos que terá em mãos. Depois de várias etapas num confuso mapa de política mundial, o objetivo é levar até ao Supremo Tribunal americano, em Washington, uma ação legal contra George W. Bush.

O argumento, da autoria de Laila Stieler, venceu o Urso de Prata na Berlinale de 2022, e é inspirado em factos reais, o que faria pressupor um drama profundo sobre alguém preso e torturado num ponto geográfico sem jurisdição, sem direito a um julgamento justo. A questão é que Andreas Dresen envereda por outro caminho, colocando o foco na mãe representada pela talentosa Meltem Kaptan, um papel que valeu à atriz cómica o reconhecimento de Melhor Atriz Principal no Festival de Berlim. Dresen leva-nos ao sofrimento de cinco anos de uma mãe que, como tantas outras, é apanhada nesta rede de contornos políticos à escala mundial, com duas únicas armas: a ingenuidade e o amor incondicional por um filho.

«Rabiye Kurnaz Vs George W. Bush», entra por isso, muitas vezes num registo mais cómico, mas, na verdade, esse pode ser o seu maior trunfo e não o motivo de crítica cerrada. Através desta mãe, que tudo vai fazer para recuperar o seu filho, mas que não deixa de ser uma Fitipaldi no seu Mercedes, uma fã de karaoke nos aniversários, uma estreante na primeira classe de um avião, ou que não sabe que está na presença de estrelas de Hollywood quando viaja até Washington, vamos tendo alguns sinais do drama que está a viver e da condição de emigrante num país que não é o dela. Vemos nos seus momentos de desespero, a interrogação de o seu filho poder ser um taliban, o sofrimento de saber que este está a ser torturado, a consciência de que está em falta para com os outros dois filhos, ou até da condição de mulher num casamento turco.

Em «Rabiye Kurnaz Vs George W. Bush», onde nos podemos perder é precisamente no aprofundamento de outras questões, como “Porque é que Murat decidiu entrar nesta viagem?”, “O que o levou a deixar a família?”, “Seria realmente um terrorista?”. O argumento tem várias nuances, num hiato de tempo de cinco anos, e o realizador centralizou a história na mãe, tocando ao de leve a componente judicial, na relação do advogado com o procurador distrital, o contexto político do período pós-atentado e o real impacto de uma dinâmica de todo um processo que envolveu várias jogadas políticas entre países. Andreas Dresen escolheu Rabiye e através dela seguimos todo este processo que, apesar de pouco aprofundado, não nos defrauda, pois Meltem Kaptan é uma viagem por si só. Ensina-nos o poder da esperança e o saber esperar, e mostra-nos que quando a vida de um filho está em causa, o amor de uma mãe é a mais poderosa das armas.

Título original: Rabiye Kurnaz gegen George W. Bush Realização: Andreas Dresen Elenco: Meltem Kaptan, Alexander Scheer, Charly Hübner Duração: 119 minutos 2022, Alemanha/França

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº97, Verão 2023]

https://www.youtube.com/watch?v=pq6jdQTmc_A
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