Encantatório será o adjectivo mais adequado para descrever este primeiro filme do cineasta e argumentista Giacomo Abbruzzese onde imagem, ambientes e música se entrelaçam transportando-nos para um mundo que sonha com as estrelas douradas da União Europeia. De Liozna, na Bielorrússia, parte Aleksei (Franz Rogowski) acompanhado de um amigo, num autocarro cheio de hooligans, com destino a um jogo algures na Polónia. Mas não é futebol que o inspira: o seu objectivo é, uma vez dentro do espaço Schenghen, fazer «o salto» até França. Entre boleias e marcha, atravessa a Polónia, a Alemanha, a Bélgica e o Luxemburgo até chegar à terra dos Francos. Esse árduo trajecto é-nos mostrado numa sequência de belos grandes planos de paisagens sublimes como se estivéssemos num sonho febril. O amigo tomba pelo caminho e vemos o herói, por fim, – só, farroupilha e alquebrado – na elegante ponte parisiense Alexandre III. Irá procurar abrigo no eterno sorvedouro das almas perdidas: la Légion étrangère. E para este pequeno Sísifo o castigo repete-se e tem agora de superar as implacáveis provas de admissão do celebremente exigente grupo militar. Uma sucessão de extenuantes exercícios que terminam com a implacável Marche Raid: três dias para calcorrear mais de cem quilómetros. De Sísifo passa a Hércules e completa todos os trabalhos exigidos.
Entretanto, no continente mais abaixo, o líder rebelde de uma milícia eco-terrorista, Jomo (Morr Ndiaye), é entrevistado por uma versão paródica da revista VICE. Estamos no sul da Nigéria onde um fictício Movimento para a Emancipação do Delta do Níger (MEND) reivindica um território natural tomado por uma exploração petrolífera estrangeira. Sentindo-se sem voz, decidem-se por uma rapto de trabalhadores da empresa o que desencadeia a intervenção do batalhão legionário num sangrento combate. Herói e a anti-herói lutam corpo a corpo, olhos nos olhos. Olhos que aqui têm um outro valor e são centrais à história servindo de cola ao argumento com uma fantasiosa heterocromia que deixamos para o leitor descobrir. Exterminado o MEND, Aleksei volta a Paris e procura um sentido numa cidade sem Deus, nem rumo: no carro com um decadente grupo hiper-hedónico segue para uma igreja convertida em discoteca. Lá, por um golpe do destino (ou por uma forçada opção de argumento), encontra Udoka (Laetitia Ky), a irmã do líder africano morto. O inusitado encontro leva-o a ponderar sobre as suas escolhas: abandona a Legião Estrangeira e, consequentemente, o sonho de uma nacionalidade francesa.
Essa epifania acontece numa cena onde vemos o protagonista a pegar fogo a uns cacifos junto ao soneto que Pascal Bonettti dedicou a este corpo militar e que termina com o terceto: «Mêlant sa gloire épique aux orgueils du passé /N’est pas cet étranger devenu fils de France / Non par le sang reçu mais par le sang versé.» Parece-nos que o cineasta quiz fazer estes versos significar que a nacionalidade seria dada pelo derrame de sangue dos outros e não do próprio sangue e do auto-sacrifício tal como intencionado pelo poeta. É neste ponto, parece-nos, que o filme fraqueja: numa vontade demasiado on the nose de crítica social, de produzir uma obra engagée, de nos dar uma lição de moral. Essa pulsão militante resvala para um certo zelotismo que impede a fruição plena dos ambientes visuais e musicais que o filme tão bem soube produzir. É de congratular a parceria com o artista Vitalic (nome de palco de Pascal Arbez-Nicolas) que trabalhou durante dois anos para produzir uma banda sonora que embrulha a imagem em caleidoscópios tonais, com algo de telúrico mas propulsor a céus e espaços infinitos. Uma música que o realizador sagazmente definiu como «vertical» e que contribui, em definitivo, para o efeito encantatório que «Discoboy» nos provoca.
Título original: Disco Boy Realização: Giacomo Abbruzzese Elenco: Morr Ndiaye, Wahab Oladiti, Salem Kisita Duração: 92 min. França/Itália/Bélgica/Polónia, 202
Foto:© Films Grand Huit