Mais do que realizadora, Valeria Bruni Tedeschi (n. 1964) é presença muito frequente no grande ecrã… como atriz. Uma das melhores da sua geração, com um percurso que oscila entre as paisagens do cinema francês e italiano, fruto de uma pulsante identidade italo-francesa, tão expressiva no drama como na comédia. Faz, por isso, todo o sentido que seja o ofício de ator o objeto de contemplação em «Les Amandiers – Jovens Para Sempre», um filme que, de resto, incide sobre as memórias formativas da própria realizadora, indissociáveis da escola de teatro do título, uma das mais proeminentes de França, que teve como criador Patrice Chéreau (no cinema, ele dirigiu Bruni Tedeschi em «Hôtel de France» e «Quem me Amar Irá de Comboio»).

O que aqui se retrata não é, porém, um simples processo de trabalho. Recuando ao final da década de 1980, época que concentrava todo o tipo de medos e disposição para o risco – de uma gravidez indesejada à Sida, passando pelo fantasma das drogas –, Bruni Tedeschi capta a essência de um tempo e o modo como a sua vertigem natural se misturou com a loucura do teatro, segundo o método de Chéreau (diretor interpretado por Louis Garrel).

Pomos então os olhos em Stella (notável Nadia Tereszkiewicz, extremamente parecida com a realizadora/atriz enquanto jovem) e Étienne (Sofiane Bennacer), na medida em que esses amantes e futuros atores parecem ensaiar a intensidade dos dias na fronteira da tragédia. Entre demonstrações de overacting, exercícios de libertação do corpo e fragmentos de uma peça de Tchékhov, a câmara mergulha na indefinida zona de perigo que é a representação em contacto com a vida, lugar que, por sua vez, forja uma máquina de emoções mais ou menos desordenadas.

E isso é algo a que o trabalho do diretor de fotografia Julien Poupard confere uma especial energia romântica e destreza nostálgica. Não apenas referentes a Étienne e Stella (nome que nos remete para «Um Elétrico Chamado Desejo»), mas todos os alunos e professores que aqui se dedicam à pesquisa de uma carga interior; qualquer coisa que possa ser despejada em palco. Ao seguir estes corpos, é como se a câmara procurasse a sua pincelada de vida, o rasto deixado pelo movimento doce e brusco dos atores, uma marca de uma juventude eterna, porque presa a cada momento.

Pelo contraste da abordagem “teatral”, imagine-se: «Les Amandiers» dava um bom double bill com o «Drive My Car» (2021) de Ryusuke Hamaguchi.

TÍTULO NACIONAL: Les Amandiers – Jovens Para Sempre TÍTULO ORIGINAL: Les Amandiers  REALIZAÇÃO: Valeria Bruni Tedeschi ELENCO: Nadia Tereszkiewicz, Sofiane Bennacer, Louis Garrel ORIGEM: França, Itália DURAÇÃO: 126 min. ANO: 2022

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