E de repente, Ryan Coogler quis fazer o seu «Aberto até de Madrugada», versão black people. Quem se recorda desse filme de culto de Robert Rodriguez, datado de 1996, em que uns jovens George Clooney e Quentin Tarantino (também coargumentista) interpretam dois irmãos criminosos, em fuga da polícia, que se escondem num bar mexicano com os seus reféns, sendo tal local de passagem uma armadilha de vampiros? Pois bem, «Pecadores» recua aos anos 30 e vai até às profundezas do Mississípi para situar a história de dois irmãos gémeos gangsters, de regresso à terra natal vindos da Chicago de Al Capone, de onde trazem uma mala com dinheiro para abrir uma espécie de clube noturno no meio de nenhures – esse clube, entenda-se, é o lugar que atrai certos vampiros numa noite muito movimentada e… musical.
Sim, o blues começa por ser o coração e a origem do que aqui se vai passar. Há um rapazinho, primo dos gémeos (ambos interpretados por Michael B. Jordan, mais ou menos como Tom Hardy vestiu a pele dos gémeos Kray em «Lendas do Crime»), que toca e canta com um talento vigoroso – para os manos isso representa a quintessência do que querem para o bar; para o pai do rapaz, um pastor da igreja local, é o símbolo do pecado.
A música insinua-se então como o ângulo de «Pecadores»: quer na banda sonora, quer na narrativa, ela dá sinais de domínio, controla a “coreografia” das personagens e ecoa o lamento do trabalho escravo nos campos de algodão. O blues como canto negro, sonoridade indissociável do sofrimento. Mas eis que, afinal, o novo filme do realizador de «Creed: O Legado de Rocky» e «Black Panther» não se fica pela exploração sonora de uma herança: à primeira parte, da preparação para a grande noite, corresponde uma segunda parte de terror com baba, dentes afiados e olhinhos vermelhos no escuro. O diabo e a Ku Klux Klan misturados numa representação do Mal que cumpre a devida metáfora política da história (e é verdade que, nesta América, é preciso manter o olhar político sobre a realidade).
Pena a falta de inspiração de Coogler, que se sente na pobreza dos diálogos e na fraca gestão do ritmo. A saber, depois de os vampiros entrarem em cena, perde-se a fachada tónica do filme, em que tudo parecia levar uma cadência certa. Além disso, a ânsia de revestir «Pecadores» de marcas de estilo é tão grande que o exercício fica por demais evidente: estamos a ver um drama de época que afinal não é um drama de época, mas sim uma demonstração de que o tempo “não existe”, porque a música tem o poder de unir a ancestralidade e o moderno, o passado e o futuro, num presente orgiástico. Congratulamo-nos com o gesto ousado, e pouco mais.
TÍTULO ORIGINAL: Sinners REALIZAÇÃO: Ryan Coogler ELENCO: Michael B. Jordan, Miles Caton, Wunmi Mosaku ORIGEM: Estados Unidos DURAÇÃO: 137 min. ANO: 2025