Gramado tem mais três dias pela frente para encerrar a sua programação de longas na disputa do troféu Kikito. Do que já se viu desde o início do evento, no dia 15 de Agosto, «Papagaios», de Douglas Soares, segue na dianteira no quesito surpresa. O seu enredo é inusitado, com viradas que driblam o óbvio. O desempenho do cantor Leo Jaime,numa interpretação de si mesmo, sai dos trilhos de qualquer expectativa prévia. Dizem até que o Kikito de Melhor Coadjuvante será dele – merecidamente.
O título evoca “papagaios de pirata” [“o emplastro”, em Portugal], apelido daquela turma que adora um holofote nas coberturas dos telejornais, embora não tenha sido convidada (nem autorizada) a aparecer neles. Esse papel cabe ao ator Gero Camilo. A partir do seu personagem, Tunico, o festival mais popular do Brasil entendeu como a mídia enfeitiça e como seus feitiços produzem abutres. O bonito foi ver uma reflexão tão madura nascer da première de um diretor de veia autoral, que carrega ecos de «O Rei da Comédia» («The King of Comedy», 1982), de Martin Scorsese.
Vitaminado pela montagem de Allan Ribeiro, que alterna humor e suspense com um grau de humanismo similar ao já citado filme culto de Scorsese com Jerry Lewis e Robert De Niro, «Papagaios» acompanha Tunico (Gero) com problemas de saúde, mas ainda empenhado em correr atrás dos flashes. Vai a enterros para os quais não é chamado, caça tragédias que atraem repórteres e se assanha todo ao saber de uma homenagem a Leo Jaime nas cercanias do seu bairro, Curicica. Esse tributo ao cantor ocorre no momento em que ele acolhe um jovem sem eira nem beira, Beto (Ruan Aguiar), no seu lar, fazendo dele uma espécie de protegido. Só não contava com o caráter torto do rapaz.
A segunda noite de competição de curtas-metragens de Gramado, na terça-feira, assegurou um forte aplauso para «Réquiem para Moïse». Dirigido em duo por Susanna Lira e Caio Barretto Briso, essa produção de 19 minutos e 16 segundos analisa o racismo por detrás do assassinato do imigrante congolês Moïse Mugenyi Kabagambe, morto com golpes de taco de beisebol num quiosque na Barra da Tijuca, em 2022.
Na quinta, o evento recebe uma pérola documental na linha dos filmes-catástrofe: a longa «Rua do Pescador n°6», de Bárbara Paz. A atriz e diretora, apoiada numa montagem frenética, revive o desastre climático em Porto Alegre, em 2024. A sequência da luta de um cachorro para não ser engolido pelas águas é de roer unhas até o sabugo.
O Festival de Gramado termina no dia 23.
