O Regresso de Ulisses

«O Regresso de Ulisses» (2024), realizado por Uberto Pasolini, é uma adaptação moderna e introspetiva da clássica história de Ulisses (Ralph Fiennes) e Penelope (Juliette Binoche), que se desvia significativamente da versão épica contada na Odisseia de Homero. Em vez de mergulhar nas aventuras mitológicas que tornaram a obra de Homero “imortal”, Pasolini (que desenvolveu este argumento com John Collee e Edward Bond) opta por um olhar mais humano, centrado nas dimensões emocionais e psicológicas das personagens, bem como nas suas lutas internas.

A narrativa acompanha o regresso de Ulisses a Ítaca, depois de uma ausência de duas décadas marcada pela Guerra de Tróia e por uma longa viagem repleta de perigos. Não obstante, uma das escolhas mais ousadas do filme passa pela eliminação dos elementos mitológicos. Não há monstros, deuses ou aventuras sobrenaturais, o que visa fortalecer o foco no aspeto humano. Ao colocar de lado a grandiosidade épica, o filme explora com profundidade a psique das personagens, apresentando uma história de reencontro e cura, mas também de confronto com os traumas da guerra.

A realização de Pasolini é, na generalidade, minimalista na grandiosidade da história. O ritmo do filme é deliberadamente lento, com momentos de silêncio que permitem que o espectador se conecte com o estado emocional das personagens. Embora esse ritmo mais pausado possa ser um desafio para quem procura uma narrativa mais dinâmica, também confere ao filme uma atmosfera contemplativa. Por seu lado, a cinematografia, com planos longos e paisagens desoladas, reforça a sensação de um mundo estagnado, onde a reconstrução do “eu” se torna uma tarefa árdua.

Ralph Fiennes é, sem dúvida, o ponto alto do filme. O ator consegue capturar a dor e o cansaço de um homem marcado pela guerra e pelo afastamento. A interpretação é sóbria, introspetiva e carregada de nuances emocionais que revelam a alma desgastada de Ulisses, à procura de um caminho de volta para a sua casa e para si próprio. A sua dor, no silêncio, é ensurdecedora. Já Juliette Binoche traz uma rainha Penelope forte, mas vulnerável. É retratada como uma figura independente, com sua própria luta interna, lidando não só com a pressão dos pretendentes, mas também com as consequências psicológicas da espera por um homem que pode já não ser o mesmo. Este filme marca o reencontro da dupla de atores após «O Monte dos Vendavais» (1992) e «O Paciente Inglês» (1996).

«O Regresso de Ulisses» [«The Return»] (2024) é uma experiência cinematográfica sóbria e profunda, que abdica, parcialmente, do espetáculo para se concentrar na essência das personagens. Pode não ser a Odisseia que muitos esperam, mas é, sem dúvida, uma odisseia emocional: sobre o amor, a perda e a tentativa de retomar o que já não é igual. Ao invés de glorificar feitos heroicos, o filme olha de frente para as feridas invisíveis deixadas pela guerra e para o difícil regresso de quem sobreviveu, ainda por cima sozinho. É nesse confronto com o inevitável – com o tempo, o trauma e as mudanças irreversíveis – que o filme encontra a sua principal força.

*Filme visionado na Festa do Cinema Italiano

Título original: The Return Realizador: Uberto Pasolini Elenco: Ralph Fiennes, Juliette Binoche, Charlie Plummer Origem: Itália Duração: 116 minutos Ano: 2024