Mina (Maryam Moghaddam) despede-se do seu marido, à porta fechada, numa prisão fria e árida de emoções. Barak, seu esposo, será executado em breve. Regressa a casa para cuidar da sua filha surda-muda e, numa luta para conseguir sobreviver sozinha numa comunidade fechada à lei religiosa islâmica, descobre que, afinal, um inocente foi levado à morte sem ter cometido o crime de que foi acusado. Num luto pessoal, pelo seu marido e pai da sua filha, Mina pretende fazer justiça e não deixar que esta morte seja silenciada. Pelas (poucas) armas a que ainda tem algum direito, tenta salvar-se numa sociedade ainda amordaçada em diversos aspetos. Neste calvário, surge Reza (Alireza Sani Far), um homem misterioso que se prontifica a ajudá-la, para saldar uma dívida que dizia ter com Barak.
O argumento parece simplista, mas em «O Perdão», o cinema iraniano volta a provar a mestria e beleza com que se contam as histórias de quem vive ainda amordaçado numa sociedade que se move na era moderna ainda alicerçada em dogmas que colocam à prova o papel e a liberdade das mulheres, em prol da “soberania” masculina. Em «O Perdão», os realizadores Maryam Moghaddam (que é igualmente a protagonista) e Behtash Sanaeeha levam-nos numa viagem ao mundo de Mina, uma mulher que se torna viúva e que só encontra dificuldades para poder sobreviver sozinha com a sua filha, sem ter de devolver o dinheiro da morte injusta do seu marido à família do mesmo, ou que é expulsa de sua casa apenas porque recebeu a visita de um homem estranho à família.

À parte os julgamentos sociais ou religiosos, porque isso não nos compete, importa dignificar este filme como mais uma porta de entrada para esta realidade, feita de uma forma muito simples, mas muito intensa e emotiva. As interpretações de Mina, da sua filha Bita (Avin Poor Raoufi) e de Reza, são fascinantes e a beleza do filme está precisamente naquilo que nos liga enquanto pessoas. Apesar de todos os constrangimentos e injustiças – metaforizados na imagem inicial de uma vaca branca exposta no átrio da prisão, enquanto seres masculinos de um lado e seres femininos do outro, todos vestidos de preto, apregoam dizeres – invade-nos o coração o amor entre mãe e filha, que quebra todos os obstáculos, o desespero de um pai que podia ter tudo mas que se maltrata por uma injustiça que cometeu e pela perda de um filho que parecia ter tudo mas que lhe faltava o mais importante, a solidariedade feminina apesar do condicionamento social, a perspetiva de amor quando tudo parece ser contra, a revolta e o ódio quando a verdade é encoberta.
A segunda colaboração de Maryam Moghaddam e Behtash Sanaeeha, depois de escreverem o argumento de «Risk Of Acid Rain», em 2015, e de corealizarem «The Invincible Diplomacy Of Mr Naderi», em 2018, traduz-se num filme nomeado ao Urso de Ouro e ao prémio do público na edição do Festival de Berlim de 2021, além de vencedor no Festival de Valladolid para Melhor Realização e Menção Honrosa para Melhor Filme Internacional em Zurique. «O Perdão» é, segundo os próprios, uma homenagem às vítimas de injustiça de uma sociedade moderna ainda estrangulada por leis baseadas na xaria islâmica. Mas, acima de tudo, é uma história sobre o valor da vida e sobre o sacrifício de uns em prol da liberdade dos outros, sobre os duplos significados e as metáforas do mundo em que vivemos. Quão bonito poderia ser o mundo se a regência do amor fosse a lei universal.
Título Original: Ballad of a White Cow Elenco: Maryam Moghadam, Alireza Sani Far, Pouria Rahimi Sam, Avin Poor Raoufi, Farid Ghobadi, Lili Farhadpour Realização: Maryam Moghadam, Behtash Sanaeeha Produção: Fimsazan, Caractères Productions Argumento: Mehrdad Kouroshniya, Maryam Moghadam, Behtash Sanaeeha Ano: 2021 Duração: 101 minutos