«Vidro Fumê» é baseado em factos verídicos. O filma aborda a violência contra as mulheres no Brasil a partir de um caso ocorrido em 2013 de um sequestro e violação de uma estudante americana. A esse acontecimento os argumentistas, Pedro Varela e Luciana Bezerra, juntaram um caso ficcional – igual a tantos outros casos reais – de uma jovem brasileira que é abusada sexualmente por um homem poderoso.
A ligação entre as duas histórias neste filme foi uma forma dos argumentistas fazerem a ponte entre a tragédia real e os casos que não foram denunciados ou foram menosprezados pelas autoridades de ataques a mulheres brasileiras. A ideia está lá, a execução nem por isso – em termos narrativos e estruturais – retira-se o impacto avassalador da situação real da estudante americana ao se tentar dar alguma lógica (e karma) a um crime aleatório, ultraviolento e inqualificável na história ficcional da jovem brasileira.
Existem características que são focadas na obra, falamos da violência e as assimetrias económicas no Brasil que leva as pessoas a enveredarem pelo crime. A mensagem que também fica é a burocracia, a prepotência e incompetência das forças policiais para lidarem com os crimes sexuais. E não precisa de ser um país da América do Sul para prevalecer a negligência, bastando ver o caso do multimilionário e predador sexual Mohamed Al-Fayed em Inglaterra, onde foram apresentadas denúncias e a polícia britânica não as investigou no passado.
Em «Vidro Fumê» o realizador português Pedro Varela dirigiu a actriz britânica Ellie Bamber, a actriz parece ser uma estrela em potência, após vários papéis secundários em «Os Miseráveis» da BBC ou «Animais Noturnos» de Tom Ford, ela prepara-se para chegar finalmente às luzes da ribalta em 2025 com algumas interessantes produções, em uma delas irá interpretar a supermodelo Kate Moss.

Ellie Bamber interpreta Mary, uma jovem americana de 21 anos a viver no Rio de Janeiro, a estudante tem um relacionamento com o namorado (James Frecheville) e deseja continuar a viver a dois passos da praia. Há um conflito no casal mas que é resolvido, mas uma saída com amigos vai-se tornar num inferno. Mary e o namorado, a caminho de um clube noturno do Rio, entram numa carrinha de nove lugares de transportes de passageiros. A partir daí começa o martírio para a jovem, entre as violações e o espancamento do namorado num pesadelo que dura várias horas. O filme desenrola-se neste claustrofóbico ambiente da carrinha. A narrativa ainda entra num modo de devaneio – sem revelarmos pormenores – é uma cena implausível tipo Charles Bronson para criar um escape para Mary (e para os espectadores) perante o ataque selvagem. Há momentos de grande frustração e coragem imensa da personagem para salvar o seu namorado.
A interpretação de Ellie Bamber não embraça ninguém e tinha mesmo de ser uma actriz com fibra para vestir a pele da sua personagem. A realização tem pormenores interessantes, mas o argumento é demasiadamente maniqueísta e perdeu as estribeiras numa colagem de momentos dispares para criar um cenário de alerta. O filme é uma procissão de violência física e sexual – é preciso ter estômago – não como fugir ao acontecimento e o caso real foi bem mais monstruoso. O final da obra é demasiadamente demagógico e panfletário (devido à colisão das duas narrativas).
Embora tenha existido a louvável tentativa de pedagogia há certamente outras formas (mais subtis e artísticas) para demonstrar a indignação perante a falta de resposta afirmativa contra a violência sexual contra as mulheres no Brasil.
Título original: Vidro Fumê Realização: Pedro Varela Elenco: Ellie Bamber, James Frecheville, Valentina Herszage Duração: 98 min. EUA/Brasil, 2024