Ao seu segundo filme como realizador – «The Dead Don’t Hurt – Até ao Fim do Mundo» – Viggo Mortensen retira-se do seu estado de autognose [«Falling – Um Homem Só»] e aventura-se no género morto, o western, tão “americamente” moldado que hoje encontra-se esvaziado da sua carga simbólica, onde apenas as desconstruções encontram razão de existir. Digamos que não estamos numa verdadeira desconstrução no real senso da sua definição, algo que se prescreve facilmente, e cujo desafio aos moldes tradicionais se esgota após os primeiros ares de virtuosismo. Para além de realizar, Mortensen escreve, protagoniza e compõe a banda sonora deste seu projeto apaixonado, filmado em Durango, México, acompanhando Vivienne LeCoudy (Vicky Krieps capaz mas deixada à sua mercê), uma pioneira canadiana-francesa forte e independente, e Holger Olsen (Mortensen), um carpinteiro dinamarquês convertido a xerife taciturno após serviços à “pátria” na Guerra Civil americana. Ambos decidem viver juntos em território árido, “um amor e uma cabana” como se proclamara romanticamente, enquanto o capital, este prometido pelo serviço militar, em conjunto com a “gratidão” construída dos ideais do “sonho americano”, levam Olsen a ausentar do seu materializado lar, deixando Vivienne na mira algumas “forças antagônicas” que o Oeste tão bem exibe. Enquanto dinamarquês de gema, Viggo Mortensen capta neste Faroeste uma espécie de catarse espinhosa à Terra de Oportunidades que nos EUA ficaria cristalizada, não apenas no Cinema, como nos mitos e propagandas americanas difundidas nos diferentes meios e exportações culturais. Conta com Krieps para trazer um elemento feminino forte às paisagens, mas a secura do filme parece contaminar tudo e todos como uma obra do Diabo. «The Dead Don’t Hurt» demonstra, quase numa prova académica, a firmeza e o vigor no enquadramento que levam Viggo Mortensen a julgar-se reinventar numa narrativa alternada, e a cedência da vingança pretendida como o mais seco dos pratos finais. Para dizer a verdade, o western quer-se picante como a malagueta, ou disruptivo como não deixasse sobreviventes, e nesta época de banalizações e saturações, a invocação por invocação, por mais grato que seja a intenção, é um tiro para o ar. Nesse aspecto o recente «The Old Way» (Brett Donowho, 2023), com Nicolas Cage enquanto cavalgante diabólico, variação menos pretensiosa, fazia melhor figura em honrar o western enquanto género estagnado.
Título original: The Dead Don’t Hurt Realização: Viggo Mortensen Elenco: Vicky Krieps, Viggo Mortensen, Garret Dillahunt, Danny Huston, Solly McLeod Duração: 129 min. Canadá/México/Dinamarca/EUA/Reino Unido, 2023