Uma história violenta, intensa e bipolar que, ao mesmo tempo, é suave e uma jornada enriquecedora. O ganês Blitz Bazawule coloca-se atrás das câmaras em «A Cor Púrpura» (2023) para reinventar a trama que nasceu nas páginas de Alice Walker – que venceu um Pulitzer –, e já foi adaptado a filme e teatro musical. Num universo que combina todos os universos, a longa-metragem mantém em foco a discriminação racial e de género, apoiada sobretudo no protagonismo de Celie (Fantasia Barrino).
Grávida do pai, a jovem Celie (Phylicia Pearl Mpasi) tenta aproveitar as pequenas alegrias da vida com a irmã Nettie (Halle Bailey). Enquanto a primeira já trabalha e é destratada por Alphonso (Deon Cole), a segunda continua a estudar e tem esperança numa vida diferente. As suas realidades colidem e atingem um ponto de rutura quando Mister (Colman Domingo) pede a mão de Nettie, mas recebe, em vez disso, a de Celie. Além da turbulência na vida de Celie, que se vê obrigada a crescer e ainda mais limitada do que nunca, também Nettie vê a sua vida mudar radicalmente.
Pelo contrário, Shug Avery (Taraji P. Henson) representa a liberdade e a emancipação da mulher, à imagem da época, sendo admirada por muitos e criticada por outros tantos. A cantora desempenha um papel essencial no desenvolvimento de Celie, que cresce enquanto personagem e conquista a sua própria voz. Também Sofia (Danielle Brooks) é a voz da revolta e a força da oposição, mas também o rosto do preço a pagar por isso.
Com a música como protagonista, «A Cor Púrpura» (2023) apresenta números elaborados e letras assertivas, que vão construindo o contexto, os sentimentos e ecoam as dúvidas das personagens. A combinação da musicalidade com o argumento dramático acontece na dose certa, com as músicas a marcarem a emoção dos momentos e a pautarem as alturas de maior tensão. Em todo o caso, sendo musical, a audiência já sabe ao que vai.
O drama das duas irmãs é o foco central da narrativa, com maior atenção para Celie e para o seu desenvolvimento numa sociedade machista, racista e violenta. Ilustrando de forma criativa uma página obscura da história, «A Cor Púrpura» (2023) peca, talvez, por romancear a narrativa, com mudanças radicais inesperadas que levam a acontecimentos mais positivos, numa espécie de conto de fadas onde o conflito se resolve por truques do destino e não por ações concretas (com origem, consequência e impacto concreto).
Título original: The Color Purple Realização: Blitz Bazawule Elenco: Fantasia Barrino, Taraji P. Henson, Danielle Brooks Duração: 141 minutos Estados Unidos, 2023
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº103, Fevereiro 2024]
https://www.youtube.com/watch?v=VwvVDoKhsj0&t=6s