É fácil catalogar «Pobres Criaturas» como Belo, deixando assim o resto da reflexão reduzida a uma mera palavra, da força própria e peso simbólico num mercado. Vivemos nessa sociedade (construída ao longo de séculos) e promovida por essa ideia do Belo, é esteticamente harmonioso o que possui capacidade de despertar em nós, nas mais diferentes alas sensoriais, essa mesma harmonia ou simplesmente uma exaltação. Ser Belo é um atributo que poucos considerem, mas que muitos aprovam o qual seguem num registo formal, um senso comum que nasce instintivamente dentro de nós enquanto seres socialmente gregários.
No caso de «Pobres Criaturas», nova variação do “helénico” Yorgos Lanthimos («Canino», «The Lobster») em desconstruir realidades por vias de semi-distopias, e com isto, tecnicamente e formalmente, aproximar-se do seu santo padroeiro – Stanley Kubrick – é um filme longe do belo, aceite dessa forma, um objeto que encontra fascínio no seu lado grotesco, monstruoso, compondo e decompondo nas possibilidades de decifrar o indecifrável por vias pouco ortodoxas.
«Pobres Criaturas» foi o vencedor do último Festival de Veneza, tornando-se um lançamento direto à corrida para os Óscares e outros prémios avulso, Lanthimos adapta o bestseller de Alasdair Gray, sobre uma experiência humana, aqui interpretada por uma atípica Emma Stone, que avança numa demanda em busca do real, do aventureiro, por outras palavras, pela essência do Homem, embarcando numa época vitoriana pelas fortunas e infortúnios, aceitando-os, como se a última romântica fosse nesse alter-modernismo, como algo maior e inevitável que a sua existência. Na tela, «Pobres Criaturas» soa-nos a uma costura de partes à lá Mary Shelley com Boris Vian, cujo grotesco incentiva o lugar do dito belo, e o belo senta-se na poltrona dessa bizarria macabra. Não se trata da feiura da sua cénica e adereços que apela à quinta geração dos horrores industriais, híbridos a malparidos por Deus, concretizados com a mais indiferença das naturalidades, é também na sua técnica, nas constantes perspectivas angulares, um efeito vertiginoso que parece rodear estes personagens desencaixados, irregulares e marginalizados para com a normalidade com que essa tal modernidade é lhes vendida. É um pesadelo húmido que se pode colocar nessa mesma prateleira, entre um Terry Gilliam e um Charlie Kaufman, histriónico e vaidosamente estranho. Sim, isso mesmo, estranho, notando-se naquela reconstituição de uma Lisboa pitoresca e de pasteis de nata em abundância.
Título original: Poor Things Realização: Yorgos Lanthimos Elenco: Emma Stone, Mark Ruffalo, Willem Dafoe Duração: 141 min. Irlanda/Reino Unido/EUA, 2023
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº102, Janeiro 2024]
- FILMES NOMEADO PARA 11 OSCARS
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