A primeira reação de aperto no estômago dá-se quando percebemos que não se trata de pura ficção. Na verdade, qualquer semelhança entre este filme e uma grande reportagem, não é pura coincidência. «Green Border – Zona de Exclusão» é inspirado em acontecimentos reais associados à crise de refugiados na fronteira da Polónia com a Bielorrússia, em outubro de 2021. E se somos introduzidos ao filme de Agnieszka Holland através de imagens aéreas de uma grande floresta verdejante, rapidamente percebemos que a orientação do filme vai mudar quando o cenário verde dá lugar a uma floresta fria a preto e branco, mantendo-se este o registo do filme.
No interior de um avião repleto de pessoas comuns, durante a pandemia, Agnieszka Holland apresenta-nos a uma família vinda da Síria, constituída por um avô que fala algumas palavras de inglês, um casal e três filhos, um deles ainda em idade de amamentação. Nesta viagem para um país da Europa em busca de uma vida que há muito desapareceu no seu país de origem, a curiosidade das crianças impera, o sonho ganha dimensão e até a amizade com uma senhora afegã dá lugar a momentos de empatia e afeto. “Bem-vindos à Bielorrússia”, anuncia o comandante do voo, acrescentando informações sobre o tempo e a cidade de Minsk, enquanto a tripulação distribui rosas. Só que o sonho de uma vida a cores termina aqui.
O objetivo da família é seguir para a Suécia, onde outro membro os aguarda, tendo-se já ocupado de pagar um táxi que os vai levar até lá. A partir da entrada no referido táxi, a vida destas pessoas nunca mais será a mesma e entramos numa dimensão onde os olhos tendem a fechar-se e os ouvidos só pedem silêncio. Algo em nós nos grita que não vamos aguentar esta travessia entre dois países instruídos em passar estes corpos humanos de um lado para o outro, sem que nenhuma das nações pretenda deixar entrar estes refugiados no seu território. Aliada a esta política de que estes humanos são a próxima geração de terroristas e em que a tolerância é zero, a floresta cerrada e pantanosa não dá tréguas e as tragédias humanas sucedem-se.
«Green Border – Zona de Exclusão» conquistou a audiência do Festival de Veneza 2023 – que lhe atribuiu o Prémio Especial do Júri, tendo sido selecionado para o Festival de Toronto e o Festival de Nova Iorque 2023, assim como o European Film Awards 2023, no qual ganhou as nomeações para Melhor Filme, Melhor Realização e Melhor Argumento. Apesar de a realizadora polaca ter enfurecido o governo e sectores conservadores polacos, que afirmam não se reconhecer naquele retrato, este é um filme que nos vem relembrar a urgência desta temática; é um filme que nos arrasta até às catacumbas da alma humana, de uma forma crua e sem subterfúgios.
Quem está certo? Quem está errado? Que limites devem ser impostos? Onde está a solução? Não existem respostas certas, principalmente de quem parte de um lugar seguro numa Europa ainda dominada por outro tipo de desafios, mas talvez o caminho passe por olhar para os países de origem. O que está a falhar nesses países de onde milhões de pessoas se têm sentido obrigadas a sair, em busca de uma vida digna e com oportunidades, onde todos são válidos e, principalmente, tratados com respeito?
«Green Border – Zona de Exclusão» traz-nos um retrato de uma realidade que já não conseguimos digerir, mas também nos mostra que enquanto todos formos humanos, existirá sempre um momento em que no olhar do outro vemos a nossa realidade e podemos fazer a diferença, indo contra tudo e todos. Enquanto existirem guardas fronteiriços que têm a coragem de se questionar e ativistas capazes de arriscar as suas vidas para proporcionar ao outro comida e roupa, mas acima de tudo um pouco de dignidade e um abraço, todos entenderemos que somos apenas diferentes, mas iguais na capacidade de sonhar, de amar e de proteger os que mais amamos.
Quando as políticas caírem, quando os pré-julgamentos se tornarem apenas isso, julgamentos, quando todas as partes se conseguirem ouvir e respeitar, só nesse momento teremos a verdadeira noção de que, antes e depois de tudo, somos apenas pessoas a tentar viver o melhor que podemos e o melhor que sabemos, e apenas o amor e a empatia, por nós e pelo outro, nos poderá salvar.
Título Original: Greend Border Realização: Agnieszka Holland Elenco: Jalal Altawil, Maja Ostaszewska, Behi Djanati Atai Duração: 147 m Polónia,
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº101, Inverno 2023]
https://vimeo.com/892232563