A melhor forma de degustar «Reagan», apesar do seu paladar rascante, atenuado pela atuação impecável de Dennis Quaid, dá-se pelo meio de uma anedota contada por Sylvester Stallone, em sua homenagem no Festival de Cannes de 2019. À época, ele contou que, na campanha promocional de «Rambo II – A Vingança do Herói» (1985), o então presidente Ronald Reagan (1911-2004) voltou-se para o astro e disse: “Depois de ver o seu filme, eu entendi o que fazer com a crise do Oriente Médio”. Stallone lembra que, ao ouvir a frase, só pensou: “Estou tramado”, numa alusão a uma possível conexão do seu nome com a política de direita do estadista. Essa forma de governar os EUA guiada a princípio por ditames capitalistas e, depois, por orientações a roçar o neoliberal, deu a Reagan uma das reputações mais nefastas entre os estadistas americanos, sobretudo durante a Guerra Fria. O seu biopic dá tintas acentuadas às suas ambições de controle e (sobretudo) o seu ódio anticomunista.
O seu realizador, Sean McNamara, tem uma carreira prolífica na TV e nas telas, também como produtor, e tem no currículo o tenso «On a Wing And a Prayer» (2023), também interpretado por Dennis Quaid. O ator, que anda numa boa fase vide «A Substância», passou a associar-se, sempre que pode, a projetos de verve cristã. A natureza evangélica de Reagan é sublinhada no argumento de Howard Klausner, basedo em livro de Paul Kengor, lançado em 2006: “The Crusader: Ronald Reagan and the Fall of Communism”. Um elenco luminoso, com destaque para Penelope Ann Miller (como Nancy Reagan) e Jon Voight, no papel do ex-agente da KGB Viktor Petrovich.
É o eslavo quem narra os feitos de Reagan desde a infância, com um pai alcoólatra, até o “chamado de Deus”, no abraçar do cristianismo, com sequências de sua carreira como ator, a partir dos anos 1940, e sua chegada à política. Christian Sebaldt assina a fotografia, dionisíaca, que aquece com cores cálidas os momentos mais quentes das lutas do seu personagem central em prol de uma América que crê em Deus e na família acima de tudo, e sempre atento ao avanço das ideias de esquerda.
McNamara assume uma narrativa retórica, sem dialéticas teóricas, a representar Reagan como um herói, ainda que torto. Há nele uma série de desvios de conduta, mas, na visão do cineasta, todos os caminhos levavam ao bem-estar do povo americano, o que torna sua abordagem algo controversa. Lembra-nos o trajeto percorrido por Oliver Stone no esquecido «Nixon» (1995).
Título original: Reagan Realização: Sean McNamara Elenco: Dennis Quaid, Penelope Ann Miller, Jon Voight, Mena Suvari Duração: 141 min. EUA, 2024