Uma ‘Dorian Gray’ genética e munida de maiôs. «A Substância», o filme de holofote do último Festival de Cannes (venceu o Prémio de Melhor Argumento), um “body horror” ultra-estilizado, fruto da forçada abertura de portas de «Titane» de Julia Ducournau [Palma de Ouro de 2021], do qual é facilmente identificável de onde provém o seu “amor declarado”, é, peço desculpas o termo, um filme de fácil gosto. Neste concurso de beleza, a segunda longa-metragem de Coralie Fargeat (sete anos depois de «Revenge»), leva-nos à decadência e ao desespero de Elizabeth Sparks, esquecida vedeta de Hollywood, como se pode verificar na longa sequência em prelúdio da sua estrela estampada no passeio e a relação de quem passa por ele, cujo envelhecimento a forçosamente afastou dos grandes palcos que outrora lhe pertenciam. Na iminência de ser completamente descartada pelo programa que ainda lhe “agarra”, uma etapa de sessões de aeróbica transmitidas na televisão, decide recorrer a uma misteriosa empresa de nome “The Substance”, que fornece uma injeção igualmente incógnita de reativação celular, obrigando-as a formar um novo “eu”, mais jovem e airosa, que deve, a todo o custo, rever-se a cada sete dias. Todos os passos devem ser cumpridos até para não tomar proporções grotescas, ou seja, como qualquer axioma do género de terror, o pior é mesmo para acontecer. «A Substância» guia-se de modo alucinado e de passo pesado imediato ao lúdico da sua monstruosidade, e por outras palavras, cede ao gratuito do último ato, aos exageros e às hipérboles, agora deixada à mercê do campo visual. As juras de amor por este filme também revelam a natureza dos espectadores atuais, rindo desalmadamente de forma trocista [experiência captada da antestreia no “MOTELx] ao desespero ali inserido sob próteses e castigos mefistotelicos, «A Substância» alia-se a essa estrondosa gargalhada, assumido a comédia e a caricatura como incapacidade de lidar com o tal cenário sob sobriedade, e mesmo o campo do “body horror” (neste caso deveria aprender um pouco mais com Cronenberg, e até mesmo com a Ducournau) não a justifica a cedência ao folclórico. No final, contam-se as referências, as tais piscadelas de olhos, de Brian Yuzna a Peter Jackson, de Troma a Kubrick, de Lovecraft ao já mencionado “rei do body-horror”, e até Nicolas Winding Refn na sua transmissão de provocação imediata. Poderia haver um subtexto sobre essa Hollywood bastarda que descarta mulheres por seguir a ordem natural, mas a sobre-literalidade é gritante, e ao contrário de muitos do seu género, não seja nada para ser interpretado. Contudo, aplaude-se, mas por entre os aplausos, há um sincero, Demi Moore e a sua exposição e imposição, e por ela, «A Substância» tem razões mais que óbvias para existir.
Título original: The Substance Realização: Coralie Fargeat Elenco: Demi Moore, Dennis Quaid, Margaret Qualley Duração: 141 min. Reino Unido/França, 2024
- Premiado nos Globos de Ouro 2025 MELHOR ATRIZ (COMÉDIA OU MUSICAL) – Demi Moore