O cinema dos irmãos Arnaud e Jean-Marie Larrieu rege-se por este espírito de trabalho: depois de um desempoeirado musical – «Tralala» (2021), com Mathieu Amalric –, que tal enveredar pelo melodrama? É uma questão de atitude criativa. Mas mais do que a manifesta liberdade de experimentação dos géneros, o que surpreende no novo filme da dupla, «O Romance de Jim», é a convicção emocional de uma personagem que, à partida, não vemos como alguém digno de nota, muito menos capaz de demonstrar iniciativa. Figura de bondade, espécie de “Lazzaro felice” do mundo contemporâneo, Aymeric, na belíssima interpretação de Karim Leklou (César de melhor ator e melhor interpretação masculina no LEFFEST), é um daqueles seres cuja gentileza, de tão estranha, tende a ser esmagada pelo rolo compressor da vida, ou, na melhor das hipóteses, a sobressair nas circunstâncias do acaso, tirando-se daí consequências possivelmente felizes.
Será, pois, o acaso que define o encontro de Aymeric com uma ex-colega de supermercado (sempre os sinais da vida modesta), que está grávida, solteira e de coração aberto… Já se está a ver: o gentil-homem assume a paternidade da criança e um virtuoso quotidiano na montanha permitir-lhe-á criar memórias afetivas com o pequeno Jim do título, naquilo que acaba por ser a descoberta de um propósito existencial. Como se Aymeric tivesse nascido para ver nascer Jim, cuidar dele e ensinar-lhe o fascínio da natureza e das pequenas coisas. Será travado, porém, nessa missão informal quando o pai biológico do menino decide aparecer e, aos poucos, como um veneno de atuação lenta, apropriar-se do núcleo familiar que o homem bom tinha construído com a paciência de um artesão.
Despindo-se dos elementos cómicos que, no princípio, ajudam a estabelecer junto do espectador a ternura sui generis da personagem, «O Romance de Jim» torna-se, no seu trabalho sobre a dor do afastamento e a inexorabilidade do tempo, uma leitura intensa da realidade, tal como os registos fotográficos de Aymeric, quais peças de um puzzle sentimental espalhadas ao longo de uma cronologia (mais de duas décadas). Sem desenhar personagens “pesadas”, que só serviriam para engravatar a ideia do melodrama, e antes procurando a paixão do comum, Arnaud e Jean-Marie Larrieu conseguem extrair de uma falsa leveza o mais comovente encontro de almas, essa paternidade que vem das células dos momentos felizes e não dos genes. Daqui se faz glorioso cinema de emoções cândidas.
TÍTULO ORIGINAL: Le roman de Jim REALIZAÇÃO: Arnaud Larrieu e Jean-Marie Larrieu ELENCO: Karim Leklou, Laetitia Dosch, Andranic Manet ORIGEM: França DURAÇÃO: 101 min. ANO: 2024


 
				 
     
     
     
     
    


