Num dado momento de «Holy Motors», o mais recente filme do francês Leos Carax (que não realizava uma longa-metragem havia 13 anos, desde «Pola X»), diz-se que “a beleza está nos olhos de quem vê”, e de facto só podem mesmo ser os olhos da subjetividade (e as suas projeções) a “valorizar” e “embelezar” um filme como este, que precisará sempre de um discurso “teórico” e “intelectualizante” a caucioná-lo, um pouco como certos artistas plásticos, quando expõem as suas obras, necessitam de um texto de um “especialista” que tente “enriquecer” o que às vezes não passa de mediania pretensiosa… Foi isso que fizeram os Cahiers du Cinéma quando o elevaram ao primeiro lugar da lista de melhores filmes de 2012, que, não fosse a “boa vontade” (e também o umbiguismo de chamar sobre si as atenções e tentar mostrar-se ainda “relevante” e capaz de criar “fenómenos”) dos críticos da revista francesa, não mereceria na verdade nem figurar num “top 20”…
Mas, em tempos individualistas como os nossos, o onanismo criativo de «Holy Motors» exerce o seu fascínio e, pelos vistos, tem bastante valor de mercado. Porque é disso que se trata: de um filme dobrado sobre si mesmo, autorreferencial, ególatra, autofágico, com poses de “autorismo”, enfim, com muita parra de ego e pouca uva para espremer… Apenas pontualmente interessante, «Holy Motors» acaba por ser um filme que, ao abordar o tema da suposta “crise” do cinema atual, está no fundo a falar da crise existencial de Leos Carax, ou seja, a obrigar o espectador a pôr-se no lugar de um terapeuta a ouvir as suas confissões e a presenciar a sua decadência (e algum abjecionismo). Nuno Carvalho
Título original: Holy Motors Realização: Leos Carax Elenco: Denis Lavant, Edith Scob, Eva Mendes. Duração: 115 min França/Alemanha/Bélgica, 2012
[Texto originalmente publicado na revista Metropolis nº5, Janeiro 2013]
https://www.youtube.com/watch?v=NWu9WjEcdbk