Digamos, para simplificar, que se trata de um «thriller» psicológico construído… ao contrário. Como o protagonista (Guy Pearce) não consegue conservar nenhuma memória mais do que alguns minutos, necessita de escrever — literalmente: escrever — as suas memórias de cada instante. E fá-lo, em grande parte, em tatuagens no seu próprio corpo. No limite, ele é o fantasma andante da sua própria história, quer dizer, a prova carnal de como qualquer tentativa de controlar o fluxo do tempo se aproxima da máxima lucidez ou da máxima loucura.
Na prática, isto faz com que o filme nasça de um desafio sistemático à vocação «natural» do cinema: «mostrar-como-as-coisas-são». E se cada coisa não fosse senão o código assombrado de algo que se perdeu. Então, o cinema estaria também ele «condenado» a interrogar todas as suas regras e crenças. Não é pouco — é mesmo um desafio eufórico à arte de ser espectador.
[Crítica originalmente publicada no site Cinema2000 a 29 de Junho de 2001]
Título original: Memento Realizador: Christopher Nolan Intérpretes: Guy Pearce, Carrie-Anne Moss, Joe Pantoliano, Stephen Tobolowsky, Harriet Sansom Harris EUA, 2000