Um empresário francês é notificado a comparecer perante um Juiz de instrução após uma denúncia de tentativa de corrupção num negócio imobiliário com o autarca local. O alvo da justiça é a aquisição suspeita duma vila imponente, situada nos alpes marítimos, a Vila Caprice. Assinado por Bernard Stora, argumentista e realizador de inúmeros êxitos para televisão, «O Caso Villa Caprice» é uma viagem desafiante pelo mundo da justiça gaulesa, protagonizada por dois nomes consagrados: Patrick Bruel (Giles Fontaine) – no papel do empresário sem escrúpulos – e Niels Arestrup (Luc Germon) o advogado habilidoso que aceita defender o homem de negócios no chamado caso “Vila Caprice”. O primeiro encontro entre ambos, marcado pela desconfiança mútua, lança o mote para o resto do filme: “A Moral não tem nada a ver com isto”. E, de facto, o filme é um manual sobre como defender um abastado corruptor, livrando-o, através de procedimentos e jogadas menos claras, da pena a que deveria ser condenado, apesar da vontade férrea do juiz de instrução e da veracidade da denúncia de corrupção e negócio ilícito. A experiência do advogado, brilhantemente interpretado por Niels Arestrup (papel escrito pelo realizador e argumentista a pensar no ator) que vive num apartamento com o seu velho e enfermo Pai, outrora um oficial de Justiça humilhado pelos poderosos, será decisiva para evitar a condenação de Giles Fontaine, um manipulador que sonhava desde miúdo comprar aquele palácio, abandonado durante anos e recuperado pela comunidade e autarquia locais.

O cenário principal, e de certa forma uma das personagens centrais desta trama – a vila caprice – é uma enorme propriedade situada numa encosta virada para um “azul” imenso onde vive Fontaine com a sua elegante e misteriosa mulher Nancy, protagonizada por Irene Jácob (regresso que se assinala) e é na villa que tudo se passa. Logo mesmo na abertura do filme e, depois, no primeiro fim de semana de Germon com o casal Fontaine, afim de preparar a audiência inicial com o juíz de instrução – sequência bem gizada, embora com uma falha imperdoável no tratamento do tempo diegético (ou ficcional) – os dois primeiros momentos da ação filmados à beira-mar. O resto do filme passa-se quase todo na capital, onde foram filmadas a maioria das cenas de exteriores, impecavelmente fotografadas por Thomas Hardemeier, diretor de fotografia.

A opulência e o luxo dos Fontaine contrastam com a infelicidade e melancolia das suas vidas: ele, empresário, à beira de ser detido e, possivelmente, condenado; ela, perdida e desiludida com o marido, fechada num autêntico palácio. Às tantas, Jeremy, um empregado fiel, desabafa com o advogado recém-contratado: “De que serve ser rico para viver assim!”. De facto, a personagem de Giles Fontaine, que herdou os negócios do Pai, suscita com plena acuidade uma das questões centrais da sociedade francesa dos últimos anos: a forma como as autoridades centrais e locais protegem os mais ricos. Esta proteção parece que lhes dá “carta branca” para agir da forma como mais lhes convém: a desfaçatez de Giles, chegando a tentar subornar a principal testemunha do seu processo, quando está impedido de a contatar, ajuda a compreender este estado de coisas. Com a morte do pai de Germon, sequência brilhante no interior dum hospital, o ritmo da narrativa acelera para o desenlace e imprime em tons trágicos o destino das personagens, em especial do próprio advogado. Já não têm família, está à beira de se reformar e só lhe resta a paixão de velejar pelos mares com a companhia de Jeremy, o amigo recente.

Dito isto, importa reter o essencial: «O Caso Villa Caprice» revela como a justiça está contaminada – desde a habilidosa preparação do acusado para o interrogatório, passando pelas diligências impróprias do advogado junto do Juiz de instrução até à pressão sobre os procuradores. São caminhos tortuosos para evitar a condenação do arguido poderoso e influente, embora sejam legalmente válidos. E no final, ninguém sai ileso!

Título original: Villa Caprice Realização: Bernard Stora Elenco: Niels Arestrup, Patrick Bruel, Irène Jacob Duração: 103 min. França/Bélgica, 2020

https://www.youtube.com/watch?v=SqJCB1jHJHY
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