«Medo de Morte» é realizado por Wayne Kramer. Talvez o nome não diga nada, mas após o seu anterior filme «Má Sorte» («The Cooler»), com Alec Baldwin, William H. Macy e Maria Belo, que tinham deixado uma boa impressão, esperava-se um bom seguimento ao sucesso crítico do mesmo.
Quem olha para o cartaz desta película e vê o actor Paul Walker como trunfo principal, pode considerar este motivo suficiente para não ver o filme, pois este actor está ligado a uma série de papéis de acção em filmes de sucesso comercial como «Velocidade + Furiosa» ou «Profundo Azul». Ao visionar «Medo de Morte», pode-se ter duas reações: a primeira é considerar que este é apenas mais um vulgar filme de acção e violência, ou então, se olharmos com mais atenção aos detalhes, não só da história mas sobretudo da realização, logo deparamos estar na presença de uma sensacional visão de um thriller de acção, super violento e pouco convencional, numa justa homenagem ao género dos filmes de série B.
O filme começa e termina com sequências de uma violência extrema, muito bem filmadas e editadas. A sequência inicial é de um realismo extremo, um bom mote para o que há de vir. Mas, em vez de cair na tentação de levar o seu filme para caminhos mais comuns neste género, o realizador começa a lançar os personagens de «Medo de Morte» para os seus percursos. São estas jornadas pela noite que vão fazer a diferença, altura em que o realizador começa a dar largas à sua visão. Temos dois personagens centrais, Joey e Oleg, e ao longo do filme apercebemo-nos de que ambos se complementam, não só pela necessidade de um pelo outro, como na identificação de passados comuns de Joey, o adulto, e Oleg, a criança.

Como é normal no género, a história é simples, peculiar vai ser o trajeto dos vários personagens, que vão cruzando ao longo do filme, deixando fortes apontamentos de diferentes níveis de violência, prostituição, pedofilia, violência doméstica e corrupção. Não há personagens puras, o que existem são personagens menos más, por exemplo, o anti-herói de «Medo de Morte», Joey (Paul Walker), provoca o mal para evitar males maiores, e o seu exemplo é de família, como vão constatar no filme.
Com a preciosa ajuda da fotografia do filme a cargo de James Withaker, que já tinha colaborado em «Má Sorte», é criada uma visão noturna de New Jersey, local onde decorrem os acontecimentos do filme. Sente-se através da fotografia a diferenciação dos vários cenários, dos planos de acção e de toda a atmosfera envolvente à película, temos um aspecto mais negro, mais real. Quando as sequências são à luz do dia, temos sempre uma visão granulada dos eventos. Finalmente, quando a redenção atinge os personagens, as cores são mais harmoniosas e tudo vai tornar-se mais claro. Existe, através da fotografia, uma transmissão de sensações e estados; veja-se a diferença entre as casas de Oleg e de Joey. Existem também as cores intensas, mais quentes, que representam os ambientes mais bizarros: a casa dos pedófilos torna-se uma recriação visual dos contos infantis onde as crianças eram aliciadas pelo encanto e que, nos mesmos contos, acabavam por ser vítimas dos vilões dessas histórias. É precisamente nesta sequência que Oleg passa por um dos momentos de maior tensão, num enquadramento visual delicioso.

Em «Medo de Morte», a maioria das cenas parecem vinhetas acabadas de sair de uma novela gráfica. Prova disto é a sequência inicial do filme, que é idealizada a partir da concepção de storyboards que o realizador vai filmar. A utilização da câmara sempre em constante tremedeira, a montagem e a edição, criam um ritmo de movimento constante no avanço da narrativa ao longo do filme que vai para além dos storyboards.
Neste thriller, o mérito vai tanto para o realizador e argumentista Wayne Kramer como para os actores, num casting extenso com interpretações curiosas de todos os personagens, que vestem o papel de intérpretes de um universo violento. Destaco Paul Walker, que prova que consegue desempenhar um papel com raça, e Vera Farmiga (uma ex-vencedora do prémio de melhor actriz em Sundance), que tem um papel de equilíbrio na relação com o seu marido Joey. Porém, a melhor das performances é a de Cameron Bright (Oleg), que tem apenas 11 anos. É a versão masculina da jovem actriz prodígio Dakota Fanning, não pára de trabalhar («Birth», «Godsend», «Efeito Borboleta»).
Wayne Kramer, nos créditos finais, agradece aos seus heróis do cinema, e não é surpreendente encontrar os nomes de Sam Peckinpah, Walter Hill e Brian de Palma, porque algumas das características mais marcantes destes cineastas encontram-se recalcadas neste filme: a estética da violência, a aflição do personagem principal (Joey) ou no ritmo desenvolvido. Em termos de legado, «Medo de Morte» revela uma visão distinta de autor, que efetua uma merecida reciclagem de um género cinematográfico que promete deixar a audiência entusiasmada em quase duas horas passadas a um ritmo intenso, retirando da cartola uma infindável série de coelhos.
[Crítica originalmente publicada a 27 de Abril de 2006 no Cinema2000]
Título original: Running Scared Realização: Wayne Kramer Intérpretes: Paul Walker, Cameron Bright, Vera Farmiga, Chazz Palminteri, Johnny Messner, Alex Neuberger, Karel Roden, Ivana Milicevic Estados Unidos, 2006