3, 2, 1… ação. Era só mais uma cena. Mas, para ela, tudo mudou. Em 1972, estreava, com estrondo, «O Último Tango em Paris». A obra tinha uma história arrojada, sobretudo à época: uma jovem parisiense conhece um homem de negócios americano de meia-idade e os dois têm uma relação clandestina baseada apenas em sexo. Bernardo Bertolucci realizava e os protagonistas eram Marlon Brando, já uma absoluta estrela de Cinema, e uma jovem de 19 anos, Maria Schneider. O filme erótico tornou-se numa obra de culto, escandalizou muitos e foi censurado em alguns países – chegaria a Portugal no verão de 1974, pouco tempo após o final da ditadura e, durante meses, levou a filas nas salas.

Havia uma cena em particular que chocava, relacionada com uma agressão sexual, em que era usada manteiga como lubrificante. A cena havia sido combinada pelo realizador e o ator na manhã antes da filmagem. Apenas Maria não sabia o que iria acontecer. Por isso, no filme, vemos a violência a acontecer diante dos nossos olhos, com a reação genuína da atriz – já não estava a representar. É uma das cenas mais marcantes da História do Cinema, mas que, para ela, marcou não só a sua carreira, como a sua própria vida.

«Maria Schneider», baseado no livro “Tu t’appelais Maria Schneider”, escrito por Vanessa Schneider (prima da atriz), faz o retrato de quem foi Maria, com grande foco na infame cena. A realizadora é Jessica Palud, que conheceu pessoalmente Bertolucci, tendo sido estagiária na produção do filme «Os Sonhadores» (2003). A cineasta aborda a história de forma crua e acerta no desconforto que provoca, procurando também um equilíbrio sensível entre as diferentes fases da vida de Maria. Contudo, acaba por reduzi-la, de certa forma, àquele momento e ao terrível impacto que tal lhe trouxe. A redenção desse foco mais limitador vai chegando de maneira pontilhada, com a composição de Maria como um símbolo de força e de coragem, uma voz feminina resilientemente empoderada.

Para tal, muito se deve também ao inspirado e arrebatador desempenho de Anamaria Vartolomei, que interpreta Maria ao longo dos anos, enriquecendo-a com várias camadas e transformando-se ao mesmo tempo que a vida também a transformava. O restante elenco secundário é uma escolha segura, com destaque para Matt Dillon, que se apresenta, de forma verossímil, como Marlon Brando.

«Maria Schneider» não é um biopic rigoroso e não dá muitas pistas sobre quem foi, na sua verdadeira dimensão, a atriz – depois de se ter tornado, aparentemente sem grande vontade, num ícone sexual, continuaria a representar quase até ao fim da vida, lutando contra os preconceitos.

Apesar de titubear em alguns aspetos, a obra acaba por ser pertinente a esmiuçar o preço da fama e, sobretudo, o papel da mulher, deixando-nos uma perturbadora questão. O filme que mudaria a história daquela jovem foi rodado no início da década de 1970, mas, tantas décadas depois, as mulheres continuam a ser vistas, muitas vezes, como objeto, sendo silenciadas, desconsideradas ou até agredidas. Na verdade, o tempo passou e foram encontradas novas formas de perpetuar isso mesmo. Até quando?

Título original: Maria Realização: Jessica Palud Elenco: Anamaria Vartolomei, Matt Dillon, Giuseppe Maggio Duração: 100 min. País: França, 2024

Fotos Guy Ferrandis | © Les Films de Mina

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