Título internacional: «Love Life», 2022. Trata-se de uma co-produção entre o Japão e a França, realizada por Koji Fukada, cineasta nipónico que se encarregou ainda do argumento e da montagem. Tudo junto, LOVE + LIFE = LOVE LIFE. Será esta a chave e o nome do jogo que abre as portas desta ficção onde as voltas e reviravoltas pontuam a narrativa, ou será que a soma das partes deve ser encarada separadamente, o AMOR por um lado e a VIDA por outro? Para chegar ao destino, num movimento circular que engloba diversas experiências, diversos amores e desamores e muitos percursos de vida, uns mais visíveis, outros mais secretos, precisamos de saber que ao início somos introduzidos ao que poderíamos considerar uma família feliz, um casal jovem da classe média japonesa, Taeko (Fumino Kimura) e o marido Jiro (Kento Nagayama). Os dois vivem num apartamento exíguo (o que não causa estranheza para a maioria da população do país) e nele ainda se encontra espaço para um menino de oito anos, Keita (Tetsuda Shimada). Esta criança conquistou o estatuto de campeão num jogo de estratégia chamado “Othello”. Jogava online e em casa com a mãe.

Voltando ao princípio, uma família feliz, não fossem as sombras que inesperadamente se levantam na sequência de um incidente motivado por uma brincadeira com um avião que a criança recebera de prenda. Brincava com ele na banheira, de repente escorrega, bate com a cabeça, perde os sentidos e morre afogado. Nesse dia que começara luminoso e prosseguira com uma festa de anos muito animada, ou seja, que parecia perfeito não obstante as insinuações do pai e da mãe de Jiro, que julgavam Taeko uma figura descartável para mulher do filho, o céu cai em cima do casal e da restante família. Primeira grande reviravolta, e nada mais direi de substantivo sobre a maioria das restantes, mas aviso que são muitas e boas no contexto da história que se quis contar. Dou apenas um exemplo: Keita não era filho de Jiro, mas sim de um anterior casamento de Taeko com um rapaz nascido na Coreia do Sul, Park (Atom Sunada), que por razões nunca explicadas desaparecera depois de se divorciar da então mulher e mãe. Isso irá provocar um dos mais poderosos conflitos dramáticos de «Love Life», sobretudo quando ele reaparece para o funeral de Keita. Mas ao cair de paraquedas na cerimónia fúnebre, sem o fato escuro usado para essas ocasiões (saberemos depois que não passa agora de um sem-abrigo que vive no parque e da caridade alheia), o que ele vai espoletar não vai ser apenas o natural sentimento de perda ou a mera necessidade de encarar o luto. Vai gerar, isso sim, um conflito ainda maior do que a dor. Na verdade, depois de uma aproximação mais ou menos calculada, quer a ex-mulher quer ele próprio irão sentir o peso da consciência, não só a propósito do passado e do que fizeram ou não para superar as dificuldades de relacionamento, mas também da entrada a pés juntos de ambos nas rotinas dos dias presentes, numa altura em que a harmonia do casal Taeko e Jiro parecia dar sinais de ruptura. Mais uma vez, o passado salta para o presente e revela amores e sentimentos que ficaram pelo caminho. Taeko e Jiro, que supostamente se amavam, no fundo parecem querer assumir vidas divergentes, como se fossem incapazes de estar de frente um para o outro sem desviar o olhar. De facto, muito ficou por contar entre eles, e apesar de alguns segredos serem desvendados a conta-gotas, na realidade iremos ver que as contradições geradas fazem o maior sentido.

Mais uma vez, o corolário AMOR e VIDA a vir ao de cima e a ser posto em causa por inércia de comunicação. Podemos estar aqui perante um silêncio existencial que se aproxima do silêncio comunicacional, paradoxalmente o que irá unir de novo Taeko e o muito desorientado e carenciado Park. Surdo, o sul-coreano só comunica por linguagem gestual, que Taeko aprendera nos anos que com ele viveu. Serão diálogos só deles, que os espectadores podem acompanhar nas legendas e que consolidam pouco a pouco uma nova perspectiva de VIDA, resta saber se com correspondência no plano do AMOR. Como disse, prometi não dizer muito mais, e por isso salientarei apenas que perto do fim há uma viagem até paragens da Coreia do Sul com um propósito que se revela falso e que acaba por desembocar num casamento surpreendente, que por seu lado dá lugar a uma nova e complexa reviravolta de sabor agridoce. Sentimo-nos perplexos, capazes de não acreditar em coisa nenhuma, e ao mesmo tempo seguros de que o melhor dos 123 minutos deste filme reside nas linhas mestras do impecável argumento, servido com graça e saber pela globalidade dos actores. Já agora, na que virá a ser a derradeira sequência, damos conta de uma canção japonesa intitulada, nem mais, “Love Life”, da compositora e intérprete Akiko Yano. Foi ela que serviu de inspiração a Koji Fukada para o seu «Love Life»? Diz o cineasta que sim, e para “comprovar” a sua inscrição no género melodrama aqui ficam alguns versos da mesma: “Qualquer que seja a distância entre nós / Nada pode impedir-me de te amar / Quando imagino a eternidade / Aperto junto a mim o teu sorriso / E até a tristeza se torna alegria / Love Life…”
Título internacional: Love Life Realização: Koji Fukada Elenco: Fumino Kimura, Kento Nagayama, Atom Sunada Duração: 123 min. Japão/França, 2022

