A escassos quilómetros do Disney World Resort, num motel barato chamado “Castelo Mágico”, vivem Moonee (Brooklynn Prince), uma menina de 6 anos, e os seus amigos Jancey (Valeria Cotto) e Scooty (Christopher Rivera). Eles não são os protagonistas de um conto de fadas mas os três partilham um incrível superpoder: a capacidade de existir no momento. Como uma espada de dois gumes, a inocência própria da infância protege-os de uma realidade dura a que, justamente por serem crianças, estão mais expostos, mais vulneráveis.

São as férias grandes do Verão, e enquanto os miúdos vagueiam livres em busca de sarilhos os adultos passam a maior parte do tempo fechados num quarto exíguo que lhes serve de eterna morada temporária. É o caso de Halley (Bria Vinaite), a mãe de Moonee, que depois de ter sido despedida de um clube de strip por se recusar a receber clientes com “pedidos especiais”, perde também o direito a qualquer apoio estatal. Impulsiva, negligente, barulhenta e imatura, Halley é tudo isto, mas também uma mãe calorosa, uma mulher resiliente. Os esquemas mais ou menos legais que arranja para pagar a renda ou para alimentar a filha não passam, contudo, disso mesmo, de esquemas precários que inevitavelmente a conduzirão a um beco sem saída.

«The Florida Project» tinha tudo para dar errado. Não havia nada mais fácil do que deixar-se cair numa espiral miserabilista. Mas Sean Baker não quis fazer um filme sobre a miséria. E não fez. À semelhança do que acontece em «Starlet» (2012) ou «Tangerine» (2015), a câmara volta-se uma vez mais para as personagens e não para a sua situação. Isto é, não sendo alheio aos problemas e dificuldades daqueles que vivem no limite (da pobreza, da lei, da dignidade), Baker envolve-os com o seu genuíno olhar de afecto e nisto ilumina a identidade pulsante de cada um.

O carisma e espontaneidade rebelde de Brooklynn Prince e Bria Vinaite, duas debutantes, alia-se perfeitamente à mestria do grande Willem Dafoe, que aqui interpreta Bobby, o gerente ou supervisor do motel, responsável pela manutenção da ordem no “Castelo Mágico”. Figura estoica e terna, Bobby é como que o avatar do espectador. Com ele embarcamos numa experiência que retrata uma América normalmente invisível. «The Florida Project» mostra a proximidade obscena entre dois mundos separados pela disparidade de rendimentos. Sem simplificações moralistas ou soluções fáceis para nos oferecer, somos deixados apenas com um filme exuberante e devastador.

Título original: The Florida Project Realização: Sean Baker Elenco: Brooklynn Prince, Bria Vinaite, Willem Dafoe. Duração: 111 min. EUA, 2017

[Crítica publicada originalmente na revista Metropolis nº 57, Fevereiro 2018]

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