Gareth Edwards tem vindo, desde 2010, a posicionar-se como uma das vozes mais vibrantes do cinema moderno. O realizador britânico surgiu a partir do talento dos efeitos especiais, colocou-se no mapa com «Monsters» (2010), deu o seu toque especial a «Godzilla» (2014) e realizou o melhor filme fora do filão principal de Star Wars através de «Rogue One: Uma História de Star Wars» (2016). Edwards de certa forma ajudou a criar um modelo entre a ficção e o lado humano que foi exponenciado pelas séries da mitologia Star Wars na Disney+. A sua arte resulta de uma combinação de reacções humanas perante o pano de fundo da distopia impelida pelo peso da tecnologia.
O interregno de 7 anos de Gareth Edwards terminou finalmente com a estreia da obra mais completa da sua curta carreira. A história de «O Criador» desenrola-se dez anos após ter sido despoletada uma ogiva nuclear no centro de Los Angeles. As máquinas de Inteligência Artificial (IA) são acusadas pelo atentado. Os Estados Unidos e o mundo ocidental banem a utilização da IA e entram em guerra com os territórios asiáticos onde os seres IA são protegidos e continuam a sobreviver. Na Ásia a população considera que os seres de IA são mais humanos do que os próprios humanos, vivendo em harmonia com estes seres sencientes que provam ser muito mais do que apenas programação.
Joshua (John David Washington) é um militar infiltrado que perdeu a família no ataque de LA, ele tenta descobrir o paradeiro do cérebro por detrás da evolução dos seres IA na Ásia. Julga-se que ele esteja a criar uma arma que possa acabar com a supremacia dos americanos no conflito armado na extinção da IA. Num ataque das forças americanas Joshua perde a sua esposa (Gemma Chan), uma designer de IA, que estava grávida do seu filho. Alguns anos após estes acontecimentos a possibilidade de reencontrar a sua esposa (que afinal pode estar viva) fá-lo voltar à Ásia para eliminar a arma que foi construída e encontrar a esposa. O que sucede é uma grande surpresa que o força a confrontar os seus valores, noções sobre a IA, o conceito de bem e mal e a força da desinformação para travar uma guerra.
O amor é um dos grandes veios deste filme. «O Criador» é uma obra que está revestida de sentimento de amor de Joshua com a memória da esposa e a relação que estabelece com a Alphie (Madeleine Yuna Voyles), uma criança IA (a tal “arma”) que pode terminar o conflito. O herói desta história começa gradualmente a perceber a humanidade de Alphie. A criança procura construir em vez de destruir detendo o desejo de viver em harmonia ao respeitar as diferenças entre humanos e IA. Este é um filme com um tema actual e não estamos a falar do advento IA. A actualidade faz-se acima de tudo de um diálogo que procura a paz e não o ódio face àqueles que não são iguais, respeitando todas as vozes que partilham diferentes visões do mundo. É uma obra inteligente e com várias camadas de entendimento num argumento escrito por Gareth Edwards e Chris Weitz («Rogue One»). As interações entre Joshua e Alphie são tocantes onde há espaço para a emoção como também para grandes sequências de acção sempre de uma forma inovadora e elaborada. Gareth Edwards tem a capacidade de transportar o seu público para outros mundos e este filme tem justamente essa capacidade de criação e deslumbramento.
Há alguns papeis secundários que ajudam a esta grandiosa aventura sci-fi, casos de Allison Janney (está surpreendente) e Ken Watanabe (sempre seguro da sua performance). A pequena actriz Madeleine Yuna Voyles deixa-nos sem palavras e John David Washington tem um dos papeis mais equilibrados (acção/emoção) da sua carreira.
O filme contou também com muita experiência dos artistas e técnicos por detrás das câmaras, desde a orquestração de Hans Zimmer (que dispensa apresentações), à direção de fotografia de Greig Fraser (vencedor do Oscar por «Dune»), o editor Hank Corwin («A Árvore da Vida») e o designer de produção James Clyne («Star Wars: Episódio IX). O filme, apesar do manancial de efeitos visuais, teve sequências filmadas em 80 localizações diferentes espalhadas por 8 países, entre eles a Tailândia, o Nepal, o Japão ou o Vietnam. É algo que salta ao nosso olhar, na fusão entre a tecnologia que se aninhou no meio de arrozais e templos asiáticos, é muito feliz essa conjugação visual. Além da história estas imagens ficam na memória.
Um filme superlativo que pode ser visto apenas pelo seu grandioso aparato visual mas garantidamente poderá e deverá ser apreciado pela sua história e eloquente mensagem universal. Seja qual for a abordagem, este é um filme vencedor para ser visto em todo o seu esplendor nos cinemas. «O Criador» é mais um testemunho do talento de Gareth Edwards, é um dos grandes espectáculos visuais de 2023 que nunca perde a sua noção de humanidade.
Título original: The Creator Realização: Gareth Edwards Elenco: John David Washington, Madeleine Yuna Voyles, Gemma Chan, Allison Janney, Ken Watanabe, Marc Menchaca Duração: 133 min. EUA, 2023