Uma imensidão de animadas babysitters de muitos marmanjos e de muitas garotas que nasceram na transição dos 1990 para os anos 2000 e viam na Disney a maior diversão, «Lilo & Stitch» (2002) foi um (raro) sopro de vitalidade do estúdio de Mickey Mouse em meio à metástase da Pixar (e com ela, da computação gráfica) na produção audiovisual daquela empresa para o grande ecrã. Teve um orçamento bem alto (US$ 80 milhões), mas teve uma receita bonita (US$ 270 milhões) à qual somou-se uma fortuna extra assegurada pela venda de quinquilharias do bicho azul, vindo do espaço, no seu título. Stitch virou coqueluche por simbolizar um signo apertável de companheirismo… aquele que não parte. Não é por acaso, a fala que se tornou o set piece (a metonímia) da longa-metragem realizada por Chris Sanders e Dean DeBlois é: “Ohana quer dizer família. Família quer dizer nunca abandonar ou esquecer”. Dramaturgicamente, o personagem é um diabo à solta que aprende a ter modos por amor a uma miúda, a Lilo, que carrega consigo valores da ancestralidade havaiana. Temos aí um prato cheio para a formação de qualquer plateia infantil, não apenas no âmbito do “portar-se bem” como da aprendizagem antropológica. Esse prato não esfriou com o tempo. Pelo contrário, permaneceu tão quente, no forninho do nosso imaginário, que inspirou uma versão live-action com o molho de creme de leite digital que só o CGI dos anos 2020 pode assegurar.
A retextualização do enredo apresentado 23 anos atrás é assinada por Dean Fleischer Camp (que concorreu ao Óscar por «Marcel the Shell with Shoes On»), numa estrutura narrativa submissa às leis Disney, mas, ainda assim, vívida. Não foi por acaso, trata-se de um dos maiores acertos de Hollywood, deste ano, nas bilheteiras, pois custou US$ 100 milhões e faturou US$ 854 milhões em cerca de 25 dias. A escolha de um elenco afiado, com destaque para Tia Carrere (no papel da assistente social Kekoa), Courtney B. Vance (como o agente Cobra) e (sobretudo) Billy Magnussen (como o agente alien Wendell Pleakley).

Toda a confusão que rende feéricas gargalhadas, adornadas por referências a Elvis Presley, tem como marco zero o planeta Turo, onde o inventor Jumba Jookiba é condenado pela Federação Galáctica Unida por experimentos genéticos ilegais, dos quais o mais perigoso é o cacareco de pelos azulados 626. Mistura de “Cruz Credo!” com “Deus me livre!”, a criatura é agressiva, tem fome de leão, “toca o zaralho” (expressão idiomática brasileira que significa “aloprar”) onde passa e, para piorar, é quase indestrutível. Para piorar mais ainda, o troço fala, e de um jeito fofo, quase miando. Jumba é preso, enquanto o 626 é exilado pelo seu comportamento destrutivo. No entanto, esse ET nada spielberguiano escapa roubando uma viatura da polícia estelar e usa seu hiperdrive para chegar à Terra, caindo na região de Kaua’i, no Havaí. Lá, acaba por parar num abrigo de animais, onde é adotado por uma garota havaiana chamada Lilo Pelekai (Maia Kealoha). Começa entre os dois um afecto que gavião algum, em ataque predatório, os separa, menos ainda as aves de rapina interplanetárias da Federação que precisam capturar Stitch e confiná-lo ao esquecimento.
Esquecer é o último verbo que se aplica a essa iguaria de comédia, sci-fi com manhas de family film, fotografado numa luz apolínea por Nigel Bluck.
Título original: Lilo & Stitch Realização: Dean Fleischer Camp Elenco: Maia Kealoha, Sydney Agudong, Chris Sanders, Zach Galifianakis, Billy Magnussen, Courtney B. Vance, Tia Carrere, Amy Hill, Hannah Waddingham Duração: 108 min. EUA, 2025