E os festivais regressam! Após a pandemia, confinamento e distanciamento social, o cinema vai começando a sair do sofá e a chegar às salas de cinema seja com a exibição regular, com a estreia do aguardado “Tenet” de Christopher Nolan, seja com o regresso do IndieLisboa, o primeiro dos festivais a enfrentar os obstáculos e a realizar a sua 17ªedição. Conversámos com Miguel Valverde, diretor do Festival, que nos guiou pelas várias seções do evento, com especial destaque para a cinematografia africana, raramente vista entre nós, com a retrospetiva dos 50 anos do Festival de Berlim, com as temáticas do Pós-colonialismo, da afirmação da negritude e do combate ao racismo e, finalmente com a forte presença lusa, habitual nas salas do cinema São Jorge, Culturgeste, Cinema Ideal, Capitólio e Cinemateca portuguesa sedes do “Indie”. O festival realiza-se entre os dias 25 de Agosto e 5 de Setembro.

Quase a atingir a maioridade, o “Indie” enfrenta uma edição repleta de desafios imprevistos. Como foi preparar o festival num ano marcado pela pandemia do Covid 19?

Miguel Valverde: Foi complicado, porque tivemos que repensar toda uma edição do festival, mas com os filmes que já estavam previamente escolhidos. Depois foi adicionar coisas como salas ao ar livre, integrar a contigência das limitações de lotação salas, o distanciamento social e as máscaras e por fim, ajustar a parte de indústria do festival ao formato online. Da nossa parte está tudo a correr bem e muito felizes por finalmente estar quase a começar.

A aposta na cinematografia africana na competição internacional, com as escolhas de trabalhos da Nigéria e do Senegal, a exibição da obra da franco-senegalesa Mati Diop na secção Silvestre e a retrospetiva da obra integral de Ousmane Sembène, considerado o “Pai do Cinema Africano” é uma aposta na diversidade e na singularidade do olhar deste continente?

MV: É uma aposta ousada porque o cinema dos variados países africanos é muito pouco conhecido na Europa. A produção é pequena e tem gerado ao longo dos anos pouco interesse. Daí a nossa intenção de chamar a atenção do cinema vindo do Senegal, seja ele dos anos 60 ou no momento presente, seja indo a outros territórios como a Nigéria. Tem havido algum preconceito contra este tipo de cinema, mas como sempre há que quebrar esta ideia. Por isso, gostava que o público escolhesse ver filmes como «Xala» ou «Faat Kiné» de Ousmane Sembène ou o «Atlantique» de Mati Diop.

Eldridge Cleaver, Black Panther
«Eldridge Cleaver, Black Panther»

A edição deste ano e as escolhas referidas acima são um convite à reflexão do espetador sobre as discussões atuais no mundo Ocidental do Pós-colonialismo, da afirmação da negritude, do combate ao racismo?

MV: Sim, aí os filmes apresentado na secção Forum Berlinale 50 Anos são paradigmáticos destas questões. No final dos anos 60, o mundo mudou muito, e secções de festivais como a Quinzena dos Realizadores em Cannes ou a Forum de Berlim vieram dar espaço a novos autores e a filmes que faziam uma reflexão histórica do momento presente. Estes filmes têm ficado um pouco no esquecimento, mas juntos (como aconteceu na 1ª edição do Forum) são mais fortes e dão voz a estas imensas pessoas, que naquele tempo não tinham voz e hoje não lhe dão a palavra. Daí que a luta do final dos anos 60 está mais viva do que nunca. É preciso ver «Angela – Portrait of a Revolutionary» para entender porque Angela Davis é uma das pensadoras mais acutilantes do nosso tempo, ou seguir Eldrige Cleaver, militante do movimento Black Panther, Sarah Moldoror cineasta maior da cuasa africana ou o colectivo feminino Newsreel.

Um dos momentos altos do festival será certamente a retrospetiva dos 50 anos do Forum Berlinale que inclui alguns dos títulos exibidos em 1971 no festival de Berlim. Quais os critérios que presidiram à seleção dos filmes exibidos nesta secção?

MV: Como disse atrás, a primeira edição do Forum teve quase 40 filmes. Decidimos optar por filmes menos vistos e conhecidos e, ao mesmo tempo, que fizessem uma reflexão sobre o presente de forma particularmente acutilante e olhando para as restantes retrospectivas e Foco do festival. Há 12 filme no programa, todos eles muito interessantes.

«A Metamorfose dos Pássaros»

A aposta no cinema português sempre foi uma marca do Indie. Acha que, no momento que vivemos, a divulgação de novos filmes que se produzem em Portugal é uma tarefa prioritária para o festival?

MV: Mostrar cinema português é fundamental em Portugal, seja hoje, há 10 anos ou há cinquenta anos. O cinema português, ou melhor dizendo, o conjunto imenso de cineastas que compõem o dito cinema português” são vozes únicas no mundo, fazem um cinema muito diferente daquilo que se vê lá fora e contrariamente ao que se diz, tem cada vez mais adeptos e público. Internacionalmente o nosso cinema tem uma reputação enorme e cada vez mais países com tradição no cinema, dão o exemplo de Portugal como o melhor que se faz anualmente. Esta selecção de 2020 é particularmente feliz. Dos filmes já estreados no estrangeiro, o IndieLisboa vai apresentar «A Metamorfose dos Pássaros» um dos grandes filmes internacionais do ano, multi-premiado desde a sua estreia no Festival de Berlim, ou as apostas portuguesas de Cannes «O Cordeiro de Deus» e «Corte», ambos de jovens autores. Em Marselha estreou «A Dança do Cipreste» da dupla Caló-Queimadela, na competição oficial de Locarno de 2019 “O Fim do Mundo” de Basil da Cunha, em Toronto estreou «A Mordida» de Pedro Neves Marques e em Roterdão «A Chuva Acalanta a Dor». De Sundance veio «La Leyenda Negra». Os outros são estreias absolutas e acreditamos seguirão o caminho dos seus pares.

A sobrevivência do cinema produzido em Portugal foi uma das razões principais que levou a organização do festival a resistir à pandemia e a avançar com a organização do festival deste ano?

MV: A sobrevivência do cinema internacional e nacional feito à margem do cinema comercial é a razão de ser da nossa existência. Mais do que nunca era preciso apresentar os filmes em sala, perante um público. E sempre que possível com os seus realizadores presentes. O que vai acontecer.

Quais as expetativas em relação à edição deste ano num momento em que a afluência às salas ainda é escassa?

MV: Estamos expectantes, mas sabemos que vamos esgotar várias sessões tendo em conta os bilhetes já vendidos até ao momento. Por isso, aconselhamos quem já olhou para a lista de filmes e identificou filmes que não quer perder, é melhor comprar já porque nesta edição a maioria dos filmes não repete.

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