Falta apenas um título («Cinco Tipos De Medo», de Bruno Bini), agendado para esta noite, para que a competição de longas-metragens de ficção do 53º Festival de Gramado chegue ao fim, a conter no seu radar uma produção que pode (potencialmente) assegurar para Portugal uma indicação ao Oscar 2026: «Sonhar Com Leões». A produção integrou hoje a lista de quatro filmes lusos pré-selecionados para que um seja escolhido a fim de que a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood tenha uma representatividade portuguesa. Entre eles está a comédia ácida com Denise Fraga, antes projetada na Estónia, no Tallin Black Nights.
O Brasil entra na sua equação de produção, o que justifica a sua entrada em Gramado. «Sonhar Com Leões» é dirigido por Paolo Marinou-Blanco, que fez Gramado rir, em catarse, com diálogos propositadamente expositivos sobre formas de suicídio. Não há desrespeito à angústia alheia na sua abordagem. Há um flagrante do quão patético é o desamparo nas raias da finitude anunciada. Gilda, a sua protagonista, pode render ao desempenho de Denise Fraga o troféu Kikito de Melhor Atriz. Essa figura padece de uma doença terminal que operação nenhuma cura. Num exercício de “quebra da quarta parede”, a enferma faz troça do seu próprio infortúnio. Ela desabafa sobre a aspereza da condição humana sob o risco da perda e compartilha detalhes das suas três tentativas de se matar. Cada desabafo escancara dilemas aos quais a sociedade ocidental agrilhoou-se por interditos morais e conflitos religiosos.
A sua projeção em tela gramadense foi acolhida com gargalhadas e afetuosidade da crítica, que contextualiza o filme numa genealogia de títulos que se depositaram em grandes festivais, após a morte assistida de Jean-Luc Godard, em 2022. Entre eles estão «O Quarto Ao Lado», de Pedro Almodóvar, e «Le Dernier Souffle», de Costa-Gavras.
“A proximidade a esses títulos só indica que o debate sobre eutanásia está pronto a ocorrer e Gramado só faz amplificar seu alcance”, disse Marinou-Blanco à METROPOLIS.
Na sua reta final, com premiação agendada para ser anunciada neste sábado, Gramado tem se “animado”, com linguagens de desenho egressas do seu próprio estado, o Rio Grande do Sul. Apoiado em ancestralidades africanas e indígenas, para celebrar a cosmogonia, «Jeguatá Xirê», uma produção de apenas sete minutos, dirigida por Alan Alves-Brito, Ana Moura e Marcelo Freire, reconectou o evento com uma das fortes tradições gaúchas das telas: a animação. Desde os anos 1980, o festival celebra a prata da casa no setor. É o que justifica a presença de «Mãe da Manhã», de Clara Trevisan, na competição dedicada a títulos da região. Esse poema feral, de oito minutos e nove segundos, foi premiado na Europa, com uma distinção honrosa no Athens Animfest. O seu argumento busca na natureza sua forma de produzir existencialismo, com uma direção de arte exuberante. Sua trama se passa no breu da noite. Nela, uma criatura faminta busca alimento e perpetua um ciclo.