As sombras do passado marcam o caminho cinematográfico de um cineasta complexo e controverso. Revemos o essencial desse percurso até «A Partir de Uma História Verdadeira».
Realizador, argumentista e ator, de nacionalidade francesa e origens polacas, Roman Polanski nasceu em Paris, em 1933, e mudou-se para Cracóvia, a cidade da sua família, quando tinha apenas três anos. Em criança viveu de perto o pesadelo da II Guerra Mundial, com os pais a serem deportados para campos de concentração. A sua mãe morreu em Auschwitz, o pai sobreviveu ao holocausto e Polanski reencontrou-o em 1944, após ter vivido escondido e protegido junto de várias famílias polacas.
Durante a adolescência, Polanski desenvolveu as suas capacidades de representação em dramas radiofónicos e no cinema. O prazer em representar levou-o a assumir papéis muito pequenos em 39 filmes, incluindo alguns os clássicos que realizou.
A sua iniciação no cinema aconteceu em 1954, o ano em que começou a frequentar a Academia Nacional do Filme Polaco, em Lodz, tendo realizado nove curtas-metragens e documentários. Após a sua graduação ele surgiu em vários filmes e foi dirigido pelo mestre do cinema polaco Andrzej Wajda em «Lotna» (1959), «Innocent Sorcerers» (1960) e «Samson» (1961).
A primeira longa-metragem que realizou, «A Faca na Água» (1962), deu-lhe reconhecimento internacional através de uma nomeação para o Óscar de melhor filme estrangeiro. No ano seguinte mudou-se para Londres, onde rodou os filmes: «Repulsa» (1965), um thriller psicológico que seria bastante bem recebido, «Cul-de-Sac – O Beco» (1966), e a comédia de terror «Por Favor Não me Mordam o Pescoço» (1967).

Em 1968, Polanski tomou a decisão de começar a trabalhar em Hollywood, fazendo a sua estreia no cinema norte-americano com o thriller «A Semente do Diabo» (1968), com desempenhos excepcionais de Mia Farrow e John Cassavetes. Mas a sua afirmação cinematográfica, foi ensombrada por uma tragédia devastadora no ano seguinte, quando a sua esposa grávida, a atriz Sharon Tate, foi brutalmente assassinada por membros da seita fanática de Charles Manson.
A violência extrema a que Polanski foi exposto ao longo da sua vida foi muitas vezes refletida nos seus filmes, que tendem a focar-se em temas obscuros como a alienação e o mal – isso viu-se no filme negro «Chinatown» (1974), com John Huston, Jack Nicholson e Faye Dunaway, ou no drama sobre paranoia «O Inquilino» (1976).
Em 1977, Polanski foi indiciado em seis processos crime por ter tido relações sexuais com menores. Um dos casos terá acontecido com uma adolescente de 13 anos, na casa do ator Jack Nicholson. Nicholson e a sua namorada de longa data, a atriz Anjelica Huston, testemunharam contra Polanski quando o caso foi levado à justiça.
Polanski declarou-se culpado de uma das acusações de relações sexuais não consentidas e passou seis semanas de avaliação psiquiátrica numa prisão estadual na Califórnia. Após receber alta, o realizador fugiu dos Estados Unidos com outras acusações criminais ainda pendentes e desde então enfrenta a possibilidade de ser detido caso regresse ao país.
Polanski optou por se mudar para a Europa e instalou-se em Paris. Retomou a realização de cinema com «Tess» (1979), uma adaptação da novela de Thomas Hardy, Tess of the d’Urbervilles. Ao longo da década de 1980, ele concentrou o seu trabalho em produções teatrais como Amadeus (1981) e Metamorfose (1988).
Após um período de sete anos sem filmar, Polanski voltou ao trabalho cinematográfico com dois filmes distintos: a comédia familiar «Piratas» (1986), onde dirigiu Walter Matthau, e o thriller parisiense «Frenético» (1988), interpretado por Harrison Ford e onde dirigiu pela primeira vez a sua atual mulher, a atriz francesa Emmanuelle Seigner. Seguiu-se o drama erótico «Lua de Mel Lua de Fel» (1992), onde Seigner surgiu ao lado de Hugh Grant.
Nenhum dos projetos obteve o impacto dos seus filmes anteriores, mas Polanski ganhou novo fôlego com «A Morte e a Donzela» (1994), uma adaptação cinematográfica da peça de Ariel Dorfman, com Sigourney Weaver e Ben Kingsley nos papéis de torturador e vítima. Seguiu-se o thriller sobrenatural «A Nona Porta» (1999), com Johnny Depp no principal papel, um dos filmes menos populares do realizador.
A sua consagração aconteceu antes de celebrar 70 anos, com um drama sobre o holocausto, «O Pianista» (2002), que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. O filme seria nomeado para sete Óscares e consagrado nas categorias de melhor argumento adaptado, ator (Adrien Brody) e realização. No entanto Polanski não teve permissão para participar da cerimónia de entrega dos prémios em Los Angeles devido à acusação criminal que sobre ele pende.

Após «O Pianista», Polanski concretizou o desejo de realizar um filme que os seus filhos pudessem ver e adaptou «Oliver Twist» (2005), um dos romances clássicos de Charles Dickens, dirigindo novamente Ben Kingsley.
Nos anos seguintes realizou duas curtas-metragens, o pequeno segmento «Cinéma Erotique» (2007) do filme «Cada um o Seu Cinema» que assinalou os 60 anos do Festival de Cannes, e o anúncio «Greed, a New Fragance by Franceso Vezzoli» (2009).
Retomou as longas-metragens com a ficção política «O Escritor Fantasma» (2010), onde dirigiu Pierce Brosnan e Ewan McGregor. Nesta altura ressurgiram as complicações legais em torno dos processos pendentes na justiça norte-americana e o realizador foi preso quando se dirigia para uma cerimónia de entrega de prémios num festival em Zurique. «O Escritor Fantasma» estreou no Festival de Berlim sem a presença do realizador. Após uma batalha legal sobre em torno da sua extradição, a justiça suíça acabou por negar esse pedido. O mesmo sucederia em 2015 com outro pedido de extradição da justiça norte-americana que foi rejeitado na Polónia.
Polanski prosseguiu, reunindo condições para filmar na Europa. Juntou Kate Winslet, Jodie Foster, Christoph Waltz e John C. Reilly em «O Deus da Carnificina» (2011), dirigiu novamente a sua mulher no filme «Vénus de Vison» (2013) e no thriller literário «A Partir de Uma História Verdadeira» (2017).
Curiosamente os seus projetos cinematográficos confirmam o gosto que sente pelo processo de adaptação literária. O realizador escreveu ou colaborou na escrita de 36 argumentos, quase tantos como os 37 filmes que realizou.
