Andy Warhol ficou famoso por dizer que, no futuro, todos teriam os seus “15 minutos de fama”. Mas nós, que vivemos no futuro, sabemos bem que os 15 minutos já não chegam. Já não chegam as 24 horas dos reality shows. Não chegam os 365 dias dos vlogs. Não chega a vida toda. Porquê? O fenómeno é complexo e não se pode dizer que totalmente novo. Os humanos sempre buscaram a atenção dos outros, o reconhecimento, a imortalidade. Contudo, a pressão das redes sociais, um determinado entendimento sobre o que é o sucesso e a felicidade parecem cada vez mais empurrar-nos para um beco de ansiedade do qual é muito difícil sair ileso. «Farta de Mim Mesma» explora estes temas através da lente da comédia negra.
«Farta de Mim Mesma» gira em torno de Signe (Kristine Kujath Thorp), uma jovem descontente com a vida que trabalha num café em Oslo e está numa relação pouco saudável com um artista em ascensão, Thomas (Eirik Sæther). Um dia, à porta do café onde trabalha, uma mulher é violentamente atacada por um cão e é Signe a única pessoa a socorrê-la, possivelmente, salvando-lhe a vida. Coberta de sangue (da outra mulher), Signe caminha pelas ruas debaixo dos olhares perplexos dos outros que se oferecem para a ajudar. Chegada a casa, ela ainda terá dificuldade em chamar a atenção do namorado que está entretido com o seu próprio ego, mas quando ele finalmente a olha e julga que ela está ferida, aquele breve equívoco, alguns segundos de genuína preocupação vão fazer nascer nela a semente de uma ideia doentia: a da vitimização como forma de chamar a atenção.
As peripécias que daqui advêm são muitas e o absurdo vai ganhando proporções hilariantes. A sátira expande-se ao campo da publicidade e da moda, visita os gurus holísticos, entra pelos noticiários das 8, mas regressa sempre ao íntimo da sua protagonista. E faz isto com uma grande sensibilidade e noção de tempo. Dei muitas vezes por mim a rir a bandeiras despregadas para, de repente, a meio da gargalhada, cair em mim, perceber como a tristeza cabe dentro do ridículo. «Farta de Mim Mesma» não se limita a gozar com um certo “estado das coisas”. Sim, somos narcisistas. Sim, vivemos muito autocentrados. Mas esta realidade, que é a realidade de que todos precisamos da atenção dos outros, pode ser vista como um circo, mas também pode, e deve, ser pensada como estruturante da nossa experiência humana no mundo. Fazer as duas coisas ao mesmo tempo, como acontece neste filme, requer algum talento.
Título Original: Syk pike Realização: Kristoffer Borgli Elenco: Kristine Kujath Thorp, Eirik Sæther, Fanny Vaager Duração: 95 min. Noruega, 2022
[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº95, Junho 2023]
Foto: Kristoffer Borgli © Oslo Pictures
https://www.youtube.com/watch?v=gWNsftw5sjU