A Netflix lançou uma pitoresca série de comédia, inspirada nos contos de Giovanni Boccaccio, onde um grupo de jovens partilhava histórias e fábulas para se “distrair” da peste negra. Com várias diferenças, «Decameron» mantém o espírito satírico e de construção social.

Quando a peste negra abala Florença, no século XIV, e as pessoas perecem nas ruas, abandonadas e marginalizadas, ou em casa sem escapatória, a morte parece uma questão de tempo. É por isso que, quando um misterioso nobre convida vários familiares distantes e outras figuras proeminentes para uma mansão no exterior da cidade, muitos não hesitam. E para lá levam, também, os seus servos ou pessoas de confiança.

São, naturalmente, múltiplas as diferenças entre o livro original de Boccaccio e a série que estreou na Netflix, desde logo porque não falamos de um grupo de jovens que conta 100 histórias ao longo de vários dias (muito apoiadas no folclore e fábulas da época). Mantêm-se, ainda assim, o contexto histórico e a estrutura social, com um recurso constante ao sarcasmo, ao ridículo e ao contorcionismo dramático. A hierarquia é desconstruída, várias personagens vivem histórias de fachada e, por ironia do destino, os próprios forjadores são levados para o campo com base num engano.

São vários os elementos que podemos destacar: Licisca (Tanya Reynolds, «Sex Education») é uma criada de Filomena (Jessica Plummer, «EastEnders»), a única sobrevivente da sua família; Dioneo (Amar Chadha-Patel) é o cuidador de Tindaro (Douggie McMeekin, «Harlots»), um nobre assustadiço e hipocondríaco; Misia (Saoirse-Monica Jackson, «Derry Girls») é a multifacetada empregada de Pampinea (Zosia Mamet, «Girls»); e o casal Panfilo (Karan Gill) e Neifile (Lou Gala), que vive um enredo de fachada. Junta-se a eles o joker, o mestre de enganos, Sirisco (Tony Hale, «Veep»), que tem a árdua missão de os convencer de que o seu mestre ainda vive… algures, e que a peste negra está longe do campo.

Neste enredo de mentiras e devaneios, o humor é um dos fios condutores mais importantes, assumindo variadas formas, mais ou menos diretas. Com uma sucessão de acontecimentos irónicos, a verdade é que o grupo está longe de ter encontrado segurança. Seja por ameaças estranhas, seja por ameaças dentro do próprio grupo. Serão capazes de todos para garantirem as suas ambições, mesmo as mais profanas? A época medieval poucas vezes foi, também ironicamente, tão divertida como nesta criação de Kathleen Jordan.

[Texto publicado originalmente na Revista Metropolis nº109, Agosto 2024]

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