Ponto de conexão (e de fricção, pelo uso do árabe como língua) entre a África e o Oriente Médio, o Egito inaugura nesta quinta-feira a seleção competitiva da 46.a edição do Festival Internacional de Filmes do Cairo (CIFF). Esta maratona cinéfila foi inaugurada em 1976 e encarada como vitrine para reflexões estéticas – e para longas perfumados com cheiro de Oscar. Por lá, até o próximo dia 21, catorze longas concorrem a uma estatueta afinada com o patrimônio cultural mais precioso de seu povo: o troféu se chama Pirâmide de Ouro. Para julgar quem leva para casa essa preciosidade, entra em campo um júri estelar. A presidência, este ano, fica a cargo do cineasta Nuri Bilge Ceylan, mais respeitado realizador da Turquia na atualidade. Ele foi premiado em Cannes com «Climas» (2006), «3 Macacos» (2008), «Era uma Vez na Anatolia» (2011) e «Sono de Inverno» (que saiu da Croisette com a Palma Dourada de 2014). O Cairo promove ainda painéis de discussão com estandartes das lutas antissexistas, como a atriz palestina Hiam Abbas (que vive Marcia Roy na série «Succession») e a diretora húngara Ildikó Enyedi (vencedora do Urso de Ouro por «Corpo e Alma»). Tem também projeção da prata da casa, com uma seleção só de joias egípcias inéditas, como «Action, Nadia, Cut!», de Salma El Sharnouby, e «Silver Tongue», de Omar Ali. Quem abriu o evento foi «O Último Azul», a longa brasileira coroada com o Grande Prémio do Júri na Berlinale, em fevereiro.
A partir desta noite, uma imponente safra de expressões autorais se candidata à vitória nas telas do Egito, sendo o primeiro competidor um representante da casa, feito em dobradinha com a Palestina: «One More Show», de Mai Saad & Ahmed Eldanf. Sua trama se passa em meio à devastação do genocídio perpetrado por Israel em Gaza, onde um grupo de artistas circenses se recusa a deixar o desespero tomar conta do palco. Vemos a trupe The Free Gaza — formada por Youssef, Batout, Ismail, Mohamed e Just — depois de serem deslocados de um extremo norte para o sul da cidade, enquanto transformam sua arte num ato de resistência, resiliência e esperança. Com a morte pairando ao seu redor, a trupe se apresenta para crianças em abrigos e nas ruas, a oferecer momentos de alegria a quem batalha para escapar de tiros e de bombas.

