«Sob a Chama da Candeia» é um filme muito especial que vai criar uma clivagem de opiniões. Pessoalmente adorei e fiquei desarmado perante o poder da imagem e o convite a uma profunda reflexão. Mas mesmo alguma negatividade é um atestado da vitalidade da obra, é imensamente positivo que um filme consiga ter esse efeito disruptor no espectador. O realizador André Gil Mata refere na sua entrevista que o filme é para ser presenciado de diferentes modos perante a vivência de cada espectador. Aliás, face a um cinema cada vez mais mecânico é sempre agradável ter experiências que fogem à conformidade e às expectativas. A obra é um tour de force – praticamente não tem diálogos – os planos são meticulosos e acutilantes em observações da vida em ilações sobre a vivência de uma mulher enclausurada pelo patriarcado e o tempo. A sala de cinema torna-se uma sala misteriosa numa viagem filosófica sobre a vida, o tempo, as ligações, o amor e o ódio. Acima de tudo, «Sob a Chama da Candeia» é a verdadeira arte de fazer cinema.

O filme de André Gil Mata tem evocações de mestres como Manoel de Oliveira e Tarkovsky, espero que o tempo e os espectadores possam confirmar o real valor desta obra e deste cineasta português.

«Sob a Chama da Candeia» já estreou nas salas de cinema.

[A versão integral da entrevista a André Gil Mata estará disponível na edição 117 da Revista METROPOLIS, online a partir de 21 de Abril]

Como surgiu a ideia para «Sob a Chama da Candeia»?

André Gil Mata: É um filme que eu já tinha muita vontade de fazer há muito tempo e surgiu da relação que eu tinha com aquelas duas pessoas que são o centro do filme. E principalmente da relação que eu tinha na infância e da forma como essas pessoas realmente me moldaram. Foi mais uma vontade que começou a surgir de tentar transformar as vidas daquelas pessoas ou de partilhar um bocadinho do que eu tinha vivido com aquelas pessoas.

A escolha do elenco, neste caso as duas protagonistas, que são os polos antagónicos do filme, já tinha em mente as atrizes que desempenharam os papéis?

André Gil Mata: No início sim, quando eu comecei a querer fazer este filme, o tempo foi passando e deixou de ser possível. As duas atrizes, a Eva Ras e a Márcia Breia, foram as primeiras pessoas que senti que podiam fazer os papéis dessas duas pessoas no filme. Acho que foram encontros felizes que fizeram com que eu encontrasse estas duas pessoas para interpretar as duas personagens.

Apesar do filme não ter muitos diálogos, temos uma série de atores em cena. Como é que foi o trabalho com o elenco para, de alguma forma, estarem a preencher espaços na memória entre o presente e o passado?

André Gil Mata: Eu fui falando muito com todas as pessoas que iriam entrar na preparação do filme. Eu não gosto nada de fazer ensaios. Pelo menos neste filme não senti uma vontade de fazer ensaios. Mas foi muito através da troca de experiências, voltarmos por alguns lugares que não são tão diferentes do meu lugar e do lugar dos atores e das atrizes que interpretaram esses papéis. E voltarmos um bocadinho a esse lugar de memória que temos de tentar transpor um bocadinho ou ir buscar esse lado. O trabalho foi muito tranquilo. As pessoas foram muito generosas na forma como se entregaram ao filme.

André Gil Mata

Falando da direção de fotografia e da iluminação do filme, criando aqui um espaço como se fosse um personagem. Como é que foi essa preparação para termos esse efeito para o espectador e na presença em cena criando um ambiente quase fantasmagórico?

André Gil Mata: Os filmes já estão bastante construídos nessa parte da câmara e da [direção de] fotografia. não escrevo muitos diálogos, escrevo mais para a câmara. No fundo, o maior trabalho foi a preparação com o Frederico [Lobo] [Director de Fotografia], foi longo e preparávamos sempre muito, ou seja, quando fomos filmar acho que já tínhamos na consciência o filme quase todo o filme e como é que ele iria ser tratado pela luz. Evidentemente que ao pô-lo em prática surgem questões e surgem problemas que depois são resolvidos. Mas foi uma preparação longa, mas boa.

A matriz de cada plano é bastante rigorosa, foi muito pensada. Todos esses enquadramentos criam uma espécie de um filme dentro de um filme. Como é que cada espectador poderá presenciar esses momentos, qual foi a intenção do André nesse trabalho minucioso de câmara?

André Gil Mata: Eu espero que cada pessoa que veja o filme possa criar o seu próprio filme. Não tenho muito a vontade de impor uma mensagem ou de impor um sentimento. Acho que o sentimento vai sendo melhor quando nós vamos encontrando com os espectadores afinidades também pelas nossas vivências. Neste caso, acho que é mais uma tentativa de nos encontrarmos com os personagens através das nossas vivências. Aquelas personagens também possam ser personagens da vida de quem está a assistir ao filme.

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