Rodrigo Areias, por mais ziguezagues que faça, é na música que sempre se confronta, e é dela que restaura a sua vertente cinematográfica, compondo filmes como quem compõe operetas, fazendo dos seus atores deslumbrados performistas que bailam ao som da sua sinfonia. Em «A Pedra Sonha Dar Flor», um espetáculo visual-sonoro que recorre a textos e a um constante olhar metalinguístico sobre a obra de Raul Brandão, nomeadamente o seu “A Morte do Palhaço”, onde a comédia é vista como uma ilusão do trágico que a vida inevitavelmente reserva. Assim, a música, a cargo de Dada Garbeck, reforçada pela fotografia de Jorge Quintela, funciona como anfitriã de um circense caldo de niilismo existencial. Trata-se de uma obra que apela insistentemente ao valor da sala de cinema, recusando o espaço doméstico e desejando, como o mineral que sonha brotar vida, transformar o cinema no seu palco. O palco do mundo, talvez! Por isso, não há como negar: «A Pedra Sonha Dar Flor» é a obra mais bela alguma vez feita pelas mãos de Areias («O Pior Homem de Londres», «Surdina») ou, como ele próprio afirma convictamente, a produção vinda do seu coletivo Bando à Parte, casa de amigos e cooperativismo, até porque é desses conhecidos que formam a trupe encarregada de içar este filme com quem retira o corpo do palhaço enforcado, o símbolo dessa comédia de vida traída. É bonito, sim senhor, mas fugaz, efémero; infelizmente, prevalece apenas como a sensação do momento da projeção e nunca responde à exatidão de quem sonha vencer para lá da sua exibição. A narrativa, isso, é uma dor de cabeça para quem se apoia numa dependência lógica. O filme saltita entre filosofias, ora deprimentes, ora simplistas, de tentações ou purezas insufladas, de clandestinidades sentimentais, políticas ou outras quaisquer, ou até de pura heresia — que o diabo me leve! —, garantindo momentos ácidos e hilários sem gerar riso algum (o humor não é mais que a conscientização da nossa mortalidade). Talvez haja algo de pedante no seu carácter de ensaio que não agrade ao comum dos mortais ou ao espectador escapista pronto para comédias de teor televisivo ou de drones às carradas, ao invés disso subjuga-se à experiência, à deambulação, porque a vida pede esse “piloto automático”. Se assim for, temos uma sessão para o que der e vier, mas infelizmente a beleza das suas ramas não dão flor, o filme sonha em ser mais do que é; o resultado é traiçoeiro. Um filme belo — já o disseste? — eu sei, mas sem pretensões de ir além do momento.
Título original: A Pedra Sonha Dar Flor Realização: Rodrigo Areias Elenco: Nuno Preto, Vítor Correia, João Pedro Vaz Duração: 101 min. Portugal, 2024