Há poucas figuras da cultura popular do século XX que rivalizem em universalidade com o jovem repórter Tintin, que há já mais de 80 anos delicia gerações consecutivas de apreciadores de aventura, acção, exotismo e humor. Curiosamente, o país onde o intrépido jornalista é menos conhecido é precisamente nos EUA; por isso é de algum modo irónico que a primeira grande produção cinematográfica do herói criado por Hergé venha de Hollywood, e ainda por cima pela mão da dupla Steven Spielberg e Peter Jackson. O filme é nominalmente uma adaptação do 11º álbum d’As Aventuras de Tintin, “O Segredo do Licorne”, publicado originalmente em 1943, porém os argumentistas Stephen Moffat, Edgar Wright e Joe Cornish foram muito além dos limites narrativos dessa aventura, integrando na história elementos da sequela, “O Tesouro de Rackham, o Terrível”, e ainda detalhes retirados de “O Caranguejo das Tenazes de Ouro”, além de inúmeras referências às mais populares façanhas do herói da BD. A intriga, brevemente resumida, envolve Tintin numa caça ao tesouro em redor do globo depois de ter comprado uma miniatura de um galeão — o Licorne — para oferecer ao seu amigo Capitão Haddock. Este último reconhece a maquete como a representação do navio de um nobre antepassado que combateu piratas, mas que também originou lendas sobre o infortúnio na família. Decididos a desvendar o mistério do navio afundado e do seu avultado tesouro, Tintin, o seu inseparável Milú, o Capitão e ainda os impagáveis detectives Dupont e Dupond cruzam o mundo de lés a lés, sobrevivem a imensos perigos, enfrentam um inimigo poderoso e inteligente, mas acabam por triunfar e descobrir o tesouro no lugar mais inesperado. O argumento, há que o realçar, consegue não só ser fiel ao espírito e atmosfera da obra original como também a redimensiona para o público do século XXI. E é precisamente nessa adaptação para as tecnologias actuais que o filme triunfa de forma absoluta. Spielberg recorreu à cada vez mais sofisticada técnica de ‘captura de movimento’ para dar vida, dimensão e personalidade às imortais criações do mestre belga. A técnica, mantendo uma base muito humanista, permite ao realizador fazer coisas impossíveis com as técnicas tradicionais. A câmara virtual deste mundo digital recria não só alguns dos mais icónicos momentos da saga de Tintin, como também nos permite seguir a ritmo ofegante o desenvolvimento de uma aventura que até aqui vivia vinheta a vinheta. Spielberg prova uma vez mais porque é uma figura charneira não só no cinema dos últimos 40 anos como no do futuro. Um ponto em que o filme poderia ter ganho outra dimensão é exactamente na sua música, da autoria do velho cúmplice John Williams, que desta feita não soube sintetizar nos seus temas a essência da encarnação da aventura, que é Tintin. Uma aventura fascinante e arrebatadora que decerto fará as delícias de todos os
jovens, dos 7 aos 77 anos.
T.O.: The Adventures of Tintin: Secret of the Unicorn • R.: Steven Spielberg I.: Andy Serkis, Daniel Craig, Jamie Bell, Nick Frost, Simon Pegg • 107 min EUA

