(Publicado no site Cinema2000, a 12 de Outubro de 2006 com o título `Uma Família de Culto`)

Estreou em Janeiro de 2006 no Festival de Cinema de Sundance e chegou às salas norte-americanas durante o Verão, com uma boa aceitação por parte dos críticos: «Little Miss Sunshine» é um dos filmes que chegou sem grande alarido às salas nacionais mas que, após o seu visionamento, conclui-se que é um ponto alto do cinema em 2006.

Este tesouro cinematográfico é uma produção independente em que o seu maior valor é o seu lado humano. A abordagem não é nova, mas respira alegria e entusiasmo na sua composição: a família disfuncional numa versão road movie. A premissa, aparentemente minimalista, engana, e no filme, através das cisões e reencontros, encontra-se tanto um registo inteligente como uma bela comédia dramática. O mérito vai para a criatividade de Michael Arndt, o argumentista, e a dupla de realizadores, Jonathan Dayton e Valerie Farris (marido e mulher). Realizadores com muita experiência na área de videoclips musicais, revelam-se agora como cineastas a ter em conta no futuro depois de se destacarem pela capacidade de orientação de um rico ensemble e na forma objectiva e muito madura da realização de «Little Miss Sunshine».


Os personagens são a base deste filme. Logo no início, assiste-se ao primeiro ponto de encontro (e partida) desta família na extraordinária viagem que vão empreender. Neste quadro familiar, o espectador conhece os seus membros, cada um mais estranho que o outro: Toni Collette (Sheryl) é a matriarca, a personagem mais forte, apesar de insegura em relação ao seu marido, acredita na união família; Greg Kinnear (Richard) é o marido à beira de um ataque de nervos, cujo pseudo-intelectualismo ameaça o núcleo familiar; Alan Arkin interpreta o papel de pai de Richard, viciado em heroína e outros prazeres, é também o mentor da carreira artística da sua neta Olive (Abigail Breslin) uma jovem que ganha a oportunidade de participar num concurso de beleza para crianças, concretizando com apenas 8 anos as suas metas imediatas: ser uma Miss; o seu irmão Dwayne (Dano) lê Nietzsche e está a meio de um voto de silêncio, comunicando apenas por curtas frases escritas, mas as suas expressões dizem tudo, ele está em fase de ebulição; a fechar este círculo está o extraordinário comediante Steve Carell no papel de Frank, o tio de Olive, que atravessa uma crise amorosa e recupera de um suicídio falhado após o fim do seu relacionamento amoroso com um aluno, um papel que representa o baptismo dramático do actor, provando que no seu reportório há espaço para este género.



O impasse familiar começa a ser desbloqueado à medida que a família enceta uma viagem através do Arizona a caminho da Califórnia para levarem Olive ao concurso “Miss Little Sunshine”. As cenas da travessia detêm também um papel importante e reflectem as tensões. Nas paisagens áridas, encontramos o vazio das conversas apesar de divertidas, até à escalada da intensidade das mesmas, que contrastam com os cenários urbanos da América. O registo vai atravessar mudanças no seu ritmo, a comédia e o drama revezando-se na narrativa. O diálogo mais importante surge junto de um subúrbio semelhante aos subúrbios televisivos de muitas séries actuais que abordam o vazio de valores e os conflitos internos dos seus habitantes. Não é com certeza por acaso que surge ao fundo da imagem um outdoor alusivo a um acontecimento externo ao filme, onde se lê “United We Stand”, que se aplica a esta família e ao caminho que têm de percorrer apesar de todas as adversidades.

Uma nota também para os ambientes sonoros do filme. Sufjan Stevens, músico de eleição, participa na banda sonora que coloca personagens e espectadores a voar baixinho, com os seus sons. Ao recuarmos à década de 1980, encontramos «National Lampoon´s Vacation», um road movie que também lida com a disfuncionalidade da família Griswall, num tom menos dramático. Passados 20 anos, em «Little Miss Sunshine» as temáticas da família são mais viscerais. Que pode até ser um possível vencedor de prémios, mas o mais importante deverá ser o fascínio exercido sobre todos aqueles que o virem o filme.

Título original: Little Miss Sunshine Realização: Jonathan Dayton, Valerie Faris Elenco: Greg Kinnear, Toni Collette, Steve Carell, Abigail Breslin, Paul Dano, Alan Arkin Duração: 101 min. Estados Unidos, 2006


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