O verão cinematográfico está recheado de surpresas: «Soma das Partes», documentário sobre os sessenta anos da orquestra Gulbenkian, assinado por Edgar Ferreira, constitui um registo interessante e singular para a história da música clássica em Portugal.
Percorrendo as seis décadas da orquestra da fundação Calouste Gulbenkian, o realizador construiu com base em depoimentos de músicos, maestros e instrumentistas da orquestra ao longo deste período, a história desta instituição nacional e internacional. A combinação de testemunhos com imagens raras de arquivo da Fundação, levam o espetador ao coração e trajeto da orquestra Gulbenkian, importante no panorama da música erudita portuguesa e internacional.
Tudo começou no ano de 1962, quando a diretora do serviço de música da Gulbenkian, Madalena de Azeredo Perdigão teve o rasgo e a ousadia de criar uma orquestra mais pequena, de início apenas de câmara, com jovens solistas portugueses e estrangeiros, diplomados nas suas especialidades. Da chegada dos primeiros maestros até à escolha de Umberto Baldi como maestro principal da orquestra, o processo foi complexo, condicionado pelas restrições orçamentais do serviço de música dirigido por Azeredo Perdigão.
A estrutura do documentário de Edgar Ferreira é simples e inteligente, dividindo em décadas a evolução da orquestra Gulbenkian: desde a estreia da orquestra, no ano de 1962, no teatro nacional D.Maria II, à construção do grande auditório na recém-inaugurada Sede da Fundação, na Praça de Espanha, antigo espaço da Feira popular de Lisboa, passando pela importância dos festivais Gulbenkian, eventos de descentralização da música clássica fundamentais na criação de novos públicos e na difusão da música erudita junto do povo.
A revolução ditará mudanças na direção do serviço de música, pois a sua diretora demite-se e é substituída. Para além disso, os anos seguintes ao 25 de Abril ditarão a escolha de mais compositores portugueses para o repertório da orquestra e o incremento das digressões internacionais, tarefa que apenas a Fundação Gulbenkian, com os seus recursos podia assegurar, substituindo o Estado português na ausência de investimento crónico na cultura nacional. São relembrados momentos decisivos na orquestra como no final dos anos 1970, a pianista Maria João Pires, depois de se ter notabilizado com o prémio Beethoven, ter tocado com a orquestra os concertos de Mozart. Anos mais tarde, o Requiem de Mozart daria uma visibilidade internacional quer a Maria João Pires, quer à orquestra. Depois, o destaque no final dos anos 1980, com o Pássaro de Fogo de Stravinski e as digressões inolvidáveis por países como a China, a União Soviética, a Hungria e até à Arménia, país de origem de Calouste Gulbenkian, fundador da instituição.
Apesar da linguagem eminentemente televisiva de «Soma das Partes» e da utilização convencional dos depoimentos, aplaudimos a estreia em sala de um documento deste alcance e relevância culturais.
Título original: Soma das Partes Realização: Edgar Ferreira Duração: 66 min. Portugal, 2023
SOMA DAS PARTES: 60 ANOS DA ORQUESTRA GULBENKIAN
19 de abril | 22h TVCine Edition
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