Começou a falar-se dele depois da nomeação para o Óscar de Melhor Filme de Animação e, ao contrário do que muitas vezes acontece, o burburinho fez justiça ao objeto: «Robot Dreams – Amigos Improváveis», do espanhol Pablo Berger, não é só uma bela história contada através de bonequinhos simpáticos, é antes a evidência de que cinema de animação ainda encontra formas de ser poético, desembaraçando-se da conotação infantil que tende a arrumar o seu público-alvo na categoria das famílias. Desengane-se pois quem vê no cartaz apenas uma sugestão singela da amizade entre um cão e um robot, numa metrópole habitada exclusivamente por animais.
A cidade é Nova Iorque, a época identificada são os anos 80, e algo vai evoluir inesperadamente quando as referidas personagens se cruzam. Começa assim: o cão sente-se sozinho, fica fascinado com um anúncio televisivo sobre o robot Amica 2000 e apressa-se a encomendá-lo. (Repare-se que na parede atrás do sofá onde ele se senta a ver TV todas as noites está um poster do magnífico «Yoyo», filme de Pierre Étaix, de 1965, que não será aqui uma referência inocente, tratando-se da história de um homem rico, que tem tudo e mais alguma coisa menos amor…). Depois da entrega, o android revela-se, de facto, cumpridor da missão para que foi programado… mas não se fica por aí. Ele vai além dos padrões comuns de um “serviço de companhia”, tornando-se um amigo exuberante, que sabe fazer despontar a aventura em qualquer esquina de uma Manhattan colorida e igualmente vibrante.
Isto até ao momento em que o idílio é interrompido e um desafio kafkiano afasta os dois protagonistas, que ainda assim não perdem a esperança de se voltar a reunir… Impondo-se que sejam mantidos em segredo os contornos desta fase do filme (baseado num romance gráfico de Sara Varon), é possível, no entanto, observar a delicadeza da animação de Berger, que consegue sustentar a ideia do afastamento pela via de uma linguagem universal de sentimentos nobres, entre a deliciosa estética urbana – de uma cidade sempre atrativa – e o reino imprevisível dos sonhos. Aberto a diferentes leituras, todas elas comoventes, «Robot Dreams – Amigos Improváveis» consegue juntar a qualidade nova-iorquina de um Woody Allen com a fantasia mais independente. Sessão perfeita para as famílias? Sem dúvida. Mas não há aqui nada que seja especialmente direcionado para os miúdos; é grande cinema para os adultos. Um conto citadino que se prolonga no espírito e aquece o coração.
TÍTULO ORIGINAL: Robot Dreams REALIZAÇÃO: Pablo Berger ELENCO: Sem diálogos ORIGEM: Espanha, França DURAÇÃO: 103 min. ANO: 2023