Não se percebe bem se este «Pretty Woman- Um Sonho de Mulher» versão «Selvagem e Perigosa» é uma comédia ou um drama. Fica-se com a dúvida se também não será uma história de amor em jeito de thriller inesperado. Na verdade, esta Palma de Ouro algo surpreendente é um pouco de tudo isso, convocando uma vertigem emocional absolutamente vertiginosa. Ainda no outro dia, na antestreia no Tribeca Festival Lisboa, com uma sala a abarrotar, via-se na expressão das pessoas o lado de pancada física que o último segmento do filme provoca.

Uma mistura de sentimentos e sensações proporcionados por uma história de uma Cinderela nova-iorquina a partir da odisseia de uma stripper de Nova Iorque que se envolve sexualmente com um jovem filho de um magnata russo. Um envolvimento que descamba num casamento em Las Vegas louco e impulsivo. Um casamento que motiva a fúria da família do russo, de pronto reunida para viajar para os EUA a fim de anular este nó.

Algures entre o fulgor de «Nova Iorque Fora de Horas», de Scorsese (mas como se fosse o cinema dos Safdie o livro de estilo) e as diferentes mutações de registo de «Pulp Fiction», de Tarantino, «Anora» é especialmente exaltante na sua relação com as expectativas do conto. Um conto amoral, portanto, encenado com tempos de cinema que sabem edificar algo que a memória americana dos anos 70 se referia a choque, sendo que o procedimento não incorpora o fascínio estético da época. A câmara e o estilo de Baker têm um porte destes dias, é cinema orgulhosamente desta década.

Outro dos trunfos e triunfos do trabalho de Baker é o de realisticamente nos meter no mundo das trabalhadoras de sexo. Uma descrição testemunhal com uma potência honesta, sem tempos mortos e com uma função narrativa capaz de meter o espectador sempre em vigia. A bem dizer, é tudo mesmo galopante neste filme que acaba por ser um manual sobre a decência. Coisa não forte, tão íntima. Sai-se da sala arrasado… Tão raro um filme ter coração e ética de cinema de mãos tão bem dadas!

Título original: Anora Realização: Sean Baker Elenco: Mikey Madioson, Yura Borisov Duração: 2h19 EUA 2024

[Crítica publicada originalmente a 30 de Outubro de 2024]

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