Ao longo de 60 anos de cinema (e 81 de vida), Robert De Niro só realizou longas-metragens um par de vezes: «Um Bairro em Nova Iorque» [«Desafio no Bronx» no Brasil) (“A Bronx Tale”), nomeado ao Leão de Ouro de Veneza em 1993, e «O Bom Pastor» [foto] («The Good Shepherd»), nomeado ao Urso de Ouro em 2007. Mesmo sem ter construído um repertório “autoral” à moda clássica, dentro dos padrões que ditam as normas da “Cahiers” ou da “Positif” e afins bíblias cinéfilas, o astro de «Casino» (1995) firmou uma marca particularíssima na atuação. O seu modo de se transformar fisicamente com base na demanda dos personagens e o seu poder de imersão no coeficiente psicológico de um enredo foram evocados pelo discurso de Leonardo DiCaprio, na abertura do 78º Festival de Cannes, na noite de terça, ao entregar ao colega veterano a Palma de Ouro Honorária.

“Arte é inclusiva, a arte abraça a diversidade”, disse De Niro ao ser laureado com a manifestação honrosa do evento do qual participou pela primeira vez em 1974, ao lado de Martin Scorsese, na sessão de «Mean Streets – Os Cavaleiros do Asfalto» na Quinzena de Cineastas.
DiCaprio, tão aplaudido quanto o homenageado, relembrou o episódio em que foi escolhido pelo próprio De Niro ao passar por um teste para contracenar com ele em «A Vida Deste Rapaz» [foto] («This Boy’s Life»), de 1993.
“Em sua quietude, Bob mostra que a alma de um filme pode viver num momento inaudito”, disse DiCaprio. “Arrancar meio sorriso dele é como conseguir uma ovação de pé”.
De Niro esteve em circuito faz pouco tempo com (o ótimo) «The Alto Knights – Máfia e Poder», de Barry Levinson, que pode ser alugado e comprado na Amazon Prime. Este ano, após Cannes, ele volta aos cinemas em «Tin Soldier», de Brad Furman.

O seu histórico com Cannes inclui a consagração de «Taxi Driver», em 1976, e de «A Missão», em 1986, ambos coroados com a Palma de Ouro. Ele cumpriu ainda a missão de presidir o júri do evento em 2011, cujo vencedor foi «A Árvore da Vida» de Terrence Malick.

“Muitas vezes, um ator recebe um convite para filmes que ele, de cara, percebe não ter muito potencial de qualidade. Mas é trabalho. Há contas a serem pagas. E mesmo sem elas, é preciso ter compromisso ético com o que vai para tela, pois o espectador percebe o que é genuíno. A direção pode ser ruim, a trama fraca, a fotografia equivocada… mas nada disso é desculpa para que se atue mal. O público pode reconhecer, num filme ruim, um grande trabalho. Basta você se empenhar… empregar a sua verdade… Um soldado no quartel quer guerra”, disse De Niro em homenagem recente, no Festival de Marrakech. “Jamais estive num set em que um realizador fosse grosseiro comigo ou com algum colega. Mas se eu visse um cineasta tratar um ator mal, acreditando que, ao desestabilizá-lo, ele possa atuar melhor, eu abordaria esse diretor, com jeitinho, e falaria: ‘as coisas não funcionam assim’. O drama deve estar escrito nas páginas do argumento, não impresso no set”.
De Niro não é do tipo de artista que conta causas sobre o seu passado: é reservado, sorri pouco, carrega sempre um jornal consigo, para se atualizar das notícias do seu país e, segundo disse a Cannes, anda zangado com a eleição de Trump.
“A arte ameaça os autocratas e os fascistas”, disse.

Após a homenagem Cannes De Niro deliciou-se com um filme delicioso, que mistura dramédia, romance e números musicais a quilómetros de distância do padrão Broadway: «Partir un jour» [foto], de Amélie Bonnin, uma estreante em longas de ficção, com experiência na TV e em documentários. As suas sequências de cantoria não têm coreografias sofisticadas, nem corais pela rua, nem efeitos visuais. São apenas quebras do realismo parecidas com as de «Os Chapéus de Chuva de Cherburgo» (Palma de Ouro de 1964) francesamente tributária a Jacques Demy. (1931-1990). Na trama de «Partir un jour», uma chef envolvida com realities de culinária precisa voltar para a cidade natal, a fim de ajudar o namorado que teve um infarte. Lá, reencontra um crush dos tempos de escola, que mexe com o seu miocárdio. O problema: ela está grávida do namorado e não parece feliz com a espera de um bebé. O seu conflito é trabalhado com leveza e canções saborosas, em especial a letra que dá título á fita, exibida em condição hors-concours.
Cannes termina no dia 24 de maio.

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