E de repente, Hal Hartley está de volta. Pouco mais de uma década depois da sua última longa-metragem, «Ned Rifle» (2014), filme que concluía a trilogia iniciada com «Henry Fool» (1997), um dos cineastas mais especiais e “secretos” da cena independente americana vem renovar o ar do nosso tempo com uma pérola de sabedoria existencial decantada desse prosaico ato que é viver… mantendo por perto a consciência da morte. Se é verdade que há uma pergunta implícita no título «Onde Aterrar» / «Where to Land», Hartley, mais do que simular a estabilidade dos pés bem assentes na terra, põe o seu protagonista a cirandar por Nova Iorque como o fazem algumas das melhores personagens do realizador: fundidas com o rumor citadino, as ruas e o ambiente propício à musicalidade ambígua da linguagem.
Dado o peso da interrogação ontológica por trás desse «Onde Aterrar», não admira, pois, que Joe Fulton (Bill Sage), a personagem principal, surja como um alter ego de Hartley, aqui a apresentar-se apenas como realizador de comédias românticas, não propriamente em modo de crise – é demasiado tranquilo para isso –, mas a pensar reformar-se e (re)aproximar-se da dimensão prática da vida. Que é como quem diz, Fulton candidata-se ao cargo de assistente de jardineiro num cemitério com o objetivo de “fazer algo útil e perene”, palavras suas, começando, no mesmo dia, a tratar do testamento com uma amiga advogada. Perante os sinais preocupantes, ou nem por isso, um conjunto de amigos, vizinhos e familiares acaba por reunir-se no apartamento deste homem que, no fundo, só está a tomar mais atenção ao número de talheres que tem na gaveta da cozinha e a deliciar-se com encontros amigáveis e espirituais, essencialmente filosóficos, que o põem a pensar na “inutilidade prática” de muitas coisas, alterações climáticas e fascismos.
Evite-se o equívoco deste lado da tela: Hal Hartley não vem pregar sermões sobre como devemos viver num mundo tão desanimador. O cineasta de «The Unbelievable Truth» propõe que olhemos a nefasta atualidade com distância irónica, ou melhor, com aquela inteligência capaz de gerar… inteligência. E fá-lo mostrando que a beleza disto tudo pode ser só uma coreografia necessária ao encontro de pessoas e um artesanato de ideias a uni-las numa comédia de enganos. Em Hartley, o cinema é trabalhado com amor, para que sobressaia o diálogo certeiro, a visão acurada do presente, e, neste caso, a autorreflexão, disfarçada de consciência do saldo negativo de comédias românticas, como se refere em conversa oportuna.
Sem que deva soar empolado, há uma riqueza imensa nesta hora e um quarto de filme. A música desajeitada do ser humano ganha harmonia pelas mãos de um realizador crente no poder fraterno de um pack de cervejas a regar uma amena troca de palavras.
TÍTULO ORIGINAL: Where to Land REALIZAÇÃO: Hal Hartley ELENCO: Bill Sage, Robert John Burke, Katelyn Sparks ORIGEM: Estados Unidos DURAÇÃO: 75 min. ANO: 2025

