Se fosse rodado por Ken Loach, diretor inglês de quem toma muitos elementos emprestado, a começar pelas paisagens, a produção britânica (orçada em 2,5 milhões de libras) «O Último Autocarro», hoje na Filmin.pt, centraria o seu foco dramatúrgico nas crises da malha rodoviária europeia e na falta de preparação de motoristas (mal pagos) para lidar com as necessidades especiais de passageiros e com os solavancos da economia no Reino Unido. Esse tema está lá, no melancólico argumento de Joe Ainsworth, discutido seja em diálogos ferinos, seja em rápidos flashes do dia a dia. Mas ao confiar à direção a Gillies MacKinnon, um diretor de séries de TV («O Jovem Indiana Jones») e de dramas viscerais como «Small Faces – Fúria nas Ruas» (1995), o marxismo de Loach dá lugar a outro “ismo”, mais existencial. Não temos em MacKinnon uma assinatura pessoal autoral de requinte, apenas competência e um interesse por tramas sociais que alumbram mais e melhor quando entram no terreno afetivo dos personagens. Mas temas um ator em estado de graça: Timothy Spall.

Aos 68 anos, ativo desde 1978, esse londrino conhecido na cultura pop por ser o Peter Pettigrew da franquia “Harry Potter” foi laureado há onze anos em Cannes, por «Mr. Turner», do seu parceiro Mike Leigh, com quem fez «Agora ou Nunca» (2002), «Topsy-Turvy» (1999) e «Segredos e Mentiras» (1996). No Brasil, o seu trabalho como o pintor William Turner (1775–1851) pode ser visto hoje na Prime Video da Amazon.

O seu método quase sempre minimalista de atuar valoriza bem o universo que MacKinnon lhe oferece em «The Last Bus» (título original de «O Último Autocarro»). Na trama, ele encarna um mecânico idoso, o Sr. Tom, que deixa a sua casa, na Escócia, e vai até a Cornualha, entre baldeações [o baloiçar] de transportes coletivos lotados, a fim de cumprir uma promessa, cruzando um vasto território de autocarro. A cada parada temos uma surpresa, seja num motor que funde, seja num conflito afetivo em que ele se mete. Num procedimento de analepses (flashbacks) somos atirados a um passado de alegria no qual Tom jurou dar conta do desejo de sua amada. A viagem que faz agora é a realização da vontade dela. Numa fotografia de tons nublados, aplicados a uma realidade húmida, vemos uma vida fenecer em pés firmes, refugiando-se nas próprias memórias. Ou na ausência delas.  

Título original: The Last Bus Realização: Gillies MacKinnon Elenco: Timothy Spall, Phyllis Logan, Natalie Mitson, Ben Ewing Duração: 86 min. Reino Unido/ Emirados Árabes Unidos, 2021

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