Há uma vida que os separa, mas existe uma vida que os volta a juntar. Um reencontro bem organizado por uma “entidade” maior que todos nós, que fala e inspira a melhor das linguagens: o amor.
Mathieu (Guillaume Canet) é um ator de cinema famoso que decide refugiar-se numas termas, numa vila à beira-mar afastada de Paris. Casado e homem de sucesso, é também um homem comum, com os seus receios e frustrações, que precisa de colocar a cabeça no lugar. Alice (Alba Rohrwacher) é uma professora de piano que vive nessa localidade e que, quando sabe que ele está nas redondezas, decide entrar em contacto, ao fim de 15 anos sem se verem e depois de um final de relação que não terminou da melhor forma.
Stéphane Brizé consegue aqui um quadro perfeito: a dupla perfeita, os diálogos perfeitos, os cenários perfeitos e até a música perfeita (de Vincent Delerm). Mas a sua verdadeira maestria está em conjugar tudo o que é perfeito, para gerar o que é imperfeitamente belo: o amor entre duas pessoas que se cruzaram num tempo e num espaço para definir uma história inacabada. Uma história guardada sob os desígnios da tal “entidade”. Uma história daquelas que todos já vivemos e que nunca sabemos se vai ter uma outra oportunidade para modificar o final. Aqui, não interessa se o final vai ser diferente, mas importa dizer o que não se disse, o reconhecer e confiar o que está guardado a sete chaves, sem grandes malabarismos ou artifícios. São duas pessoas que se reencontram ao acaso, o maior dos acasos, mas que, afinal, estava escrito.
Já todos teremos tido uma Alice e um Mathieu nas nossas vidas. Aliás, já todos fomos, em certa altura das nossas vidas, a Alice ou o Mathieu, mas nem todos sabemos se a tal “entidade” também definiu para nós um novo tropeço, um reencontro de almas que ainda têm algo a dizer.
Stéphane Brizé parece ser o alto mensageiro dessa “entidade”. O responsável por trazer até nós este belíssimo filme que, na sua simplicidade, mostra o mais complexo da vida: o amor e as relações humanas. Mas não só. Mostra também a frustração de não se ter feito a escolha certa, ou pelo menos aquela que a intuição ditou; mostra o medo de falhar, consigo próprio e com o outro, sem sequer dar uma oportunidade à beleza que o erro pode assumir; mostra os pressupostos e a antecipação do que o outro pensa de verdade; mostra a estagnação da vida, dos casamentos e das profissões que são apenas “ok”, mas não a energia de ignição que nos deveria despertar diariamente para cumprir o propósito desta vida.
Brizé sabe o que está a fazer e coloca a narrativa de uma forma pouco linear ou evidente.
O realizador convida-nos a estar com Alice e Mathieu no mesmo espaço, sem julgamentos, mas inconscientemente a pedir que a tal “entidade” faça jus ao que definimos como a felicidade entre duas pessoas que se gostam. Canet e Rohrwavher são os verdadeiros atores. Vestem a pele das personagens, mas entregam-se sem constrangimentos e entranham-se nas feridas do amor, e sobretudo no seu poder de cura, levando-nos com eles, sem resistência.
«A Vida entre Nós» não é apenas sobre mais um reencontro. É uma prova de que a vida tem planos maiores e de que o amor tem muitas formas e profundidades, e nem sempre se manifesta no tempo e no espaço que nós delineámos para ele. Muitas vezes, acontece no melhor tempo e no melhor espaço que a vida definiu, provando-nos que não controlamos nada e que existem histórias terminadas que afinal têm um final em aberto.
Provavelmente, «A Vida entre Nós» é mais um filme que vai passar despercebido nas salas de cinema, mas que jamais deveria passar em vão. Devemos-lhe um tempo e um espaço para o ver e para o absorver, e agradecer-lhe, por tudo o que nos pode dar.
Título: A Vida Entre Nós Título original: Hors-Saison Realização: Stéphane Brizé Elenco: Guillaume Canet, Alba Rohrwacher Duração: 105 min. Origem: França
Entrevista ao realizador Stéphane Brizé na METROPOLIS Nº 112
Fotos: © Michael Crotto