O Legado de Júpiter

O Legado de Júpiter: O Difícil Código dos “Bons Rapazes”

O Legado de Júpiter: O Difícil Código dos “Bons Rapazes”

A primeira série do Millarworld já está disponível na Netflix. Numa altura que a Marvel e a DC têm os seus streamings bem definidos, parece haver um concorrente que tem tudo para estar à altura, pelo menos no pequeno ecrã. A Metropolis teve acesso antecipado a «O Legado de Júpiter»; descubram o que temos a dizer sobre a série saída dos quadradinhos de Mark Millar.

Desde o anúncio do super-acordo da Netflix com o Millarworld, em 2017, que as séries saídas deste universo (os originais de Mark Millar) são aguardadas com grande expetativa. E a espera parece ter valido a pena, pelo menos para já, porque «O Legado de Júpiter» reúne os ingredientes certos para ser o próximo sucesso deste streaming. Um elenco de luxo, heróis problemáticos, storylines cativantes, twists e um conflito familiar longe do fim: as personagens criadas por Mark Millar, que já passou pela Marvel e pela DC, são cativantes e equilibram bem as vertentes humana e paranormal das personagens principais.

O Legado de Júpiter

Tantas vezes se fala de argumento em maratonas de séries, que ver «O Legado de Júpiter» é uma verdadeira lição de como se deve escrever em televisão. O primeiro episódio traça o contexto de forma ampla e termina com chave de ouro, lançando o drama e o conflito que vai manter a audiência agarrada até ao fim, enquanto os picos se vão sucedendo episódio após episódio, sendo praticamente impossível perder o interesse. O difícil vai ser parar antes de devorar a totalidade dos oito episódios.

Embora sejam séries muito diferentes no essencial, é possível encontrar similaridades entre «O Legado de Júpiter» e a muito popular «The Boys». Ambas ilustram o lado mais pessoal, e tendencialmente mais erróneo, dos super-heróis, que nem sempre têm os princípios certos a todo o momento ou vivem da maneira mais correta. A nova aposta da Netflix, protagonizada por Josh Duhamel, Ben Daniels e Leslie Bibb, realça como podem ser complicadas as relações entre pais e filhos… mesmo quando se tratam de pessoas com poderes. Sheldon (Duhamel) parece não acertar com os filhos, Chloe (Elena Kampouris) e Brandon (Andrew Horton), que tardam a corresponder às exigências do pai, que tem uma visão idílica daquele que deve ser o comportamento da União da Justiça na sociedade.

O código da União é simples, mas nem sempre fácil de aplicar. Segundo as regras defendidas pelo Utopian (Sheldon), os super-heróis não devem matar nem liderar, mas sim apenas inspirar as pessoas que os rodeiam. Por isso, não se envolvem em política, nem mesmo na Segunda Guerra Mundial, para arrependimento do seu irmão Walter Sampson/Brainwave (Ben Daniels). Os diálogos entre a dupla ajudam a perceber a forma como o código não encontra consenso, mas Sheldon não abdica dele por acreditar que tal coloca em causa o livre-arbítrio da sociedade em geral. Como se percebe, o facto de a União não poder matar coloca-a num sério nível de desigualdade em relação aos super-vilões, que não olham a fatalidades para atingirem os seus fins.

Mas desengane-se quem acha que as pessoas comuns passam ao lado desta discussão. Há redes sociais, inquéritos de opinião, e também a maioria acredita que o código do Utopian já não faz sentido no presente. O status do grupo de super-heróis não é indissociável do contexto em que vivem, com crises, protestos, corrupção e outras tantas problemáticas mundanas. Os seus dilemas internos são um reflexo dos externos e todas as storylines, num momento ou noutro, se tocam. Além de que há acontecimentos que despertam ainda mais estes ecos de descontentamento.

O núcleo central do elenco é envelhecido para que as personagens habitem simultaneamente no presente e no passado, em 1929. Foi no ano da Grande Depressão que Sheldon e companhia (Walt, Grace (Bibb), Fitz (Mike Wade), George (Matt Lanter)) se tornaram um grupo super-poderoso, pelo que a série viaja entre as duas temporalidades para que, no final da primeira temporada, todas as peças do puzzle encaixem e a história faça sentido. Para perceber melhor esta narrativa importa destacar George/Skyfox, o antigo melhor amigo de Sheldon, que se virou contra a União e é uma ameaça que constantemente paira sob o drama. Assim como o pai de Sheldon e Walt, um preponderante empresário do aço.

Uma família não comum com problemas comuns. A premissa pode ser familiar, mas a sua concretização revela-se mais complexa do que seria de esperar. A ação de «O Legado de Júpiter» e a sociedade que a rodeia funcionam como um importante ecossistema, que leva a que a linguagem seja mais rica e a história encontre também novos significados. Série sobre super-heróis, com tropes habituais e outros mais disruptivos, «O Legado de Júpiter» tem uma forte componente humana, que reforça o argumento que se propõe a contar.

A primeira temporada é entusiasmante e, na sequência da brutal season finale, os seriólicos não vão descansar enquanto a Netflix confirmar os rumores de uma segunda temporada.


O elenco conta ainda com Jess Salgueiro, uma atriz canadiana com ascendência portuguesa. Os pais, naturais de Alcanena e Santa Bárbara de Nexe, emigraram e vivem há muito no Canadá. Destaque ainda para Ian Quinlan, Meg Steedle, Paul Amos, Stephen Oyoung, Kara Royster e John Bourgeois, entre outros.