No cânone da mitologia grega, Prometeu era um Titã, um deus do velho panteão helénico a quem é atribuída a criação dos seres humanos a partir de simples barro. Mas não contente com a sua criação, o velho Titã violou as ordens de Zeus, roubando o fogo divino e dando-o ao Homem. Pelo seu crime, Prometeu foi condenado a passar a eternidade agrilhoado a um enorme penedo onde todos os dias uma águia vinda do Olimpo se alimentaria do seu fígado, que se reconstituiria no dia seguinte, onde o mesmo ritual se repetiria até ao final dos tempos.

E, perguntará o leitor que leu até aqui, o que é que este velho mito tem a ver com o novo filme do Ridley Scott, que há mais de 30 anos fez história com outra fita onde deixava bem claro que no espaço ninguém nos ouve gritar? Gritar de pânico antes que um xenomorfo nascido da imaginação retorcida de Giger nos fizesse em picadinho. Pois bem, por razões de marketing, e não só, este «Prometheus» aparece-nos como uma prequela de um certo «Alien, O Oitavo Passageiro». Porém, os incondicionais de sangue e tripas e dos ferozes Aliens que povoaram pelo menos seis fitas de horror e ficção científica das últimas três décadas arriscam-se a ficarem algo desapontados com o que Scott procurou fazer aqui.

Na verdade, Scott não estava claramente interessado em repetir uma fórmula de sucesso, mas sim partir de elementos aflorados no primeiro Alien – nomeadamente a imagem de um enorme astronauta petrificado, com aquilo que parecia uma tromba, e a partir daí construir toda uma narrativa onde como tema subjacente estivesse o papel da Humanidade quando chegar à exploração do cosmos e a sua eventual demanda das nossas origens. O filme segue a missão da nave espacial Prometheus, um veículo de exploração pertencente à corporação Weyland, que viaja anos-luz até um remoto planeta em busca de respostas a perguntas tão velhas quanto a Humanidade: quem somos, donde viemos, quem nos criou. Os tripulantes da Prometheus estão para todos os efeitos em busca do criador, do pai, de Deus (?), que curiosamente deixou vestígios da sua presença um pouco por toda a pré-história da humanidade e, finalmente, numa caverna escondida algures na Escócia, uma indicação clara do lugar de onde veio.

Scott e os seus argumentistas integram na narrativa aquilo que, para os académicos ortodoxos, não passa de pseudo-ciência, ou seja, a teoria dos antigos astronautas que ao longo dos últimos 40 anos tem ganho uma enorme divulgação e popularidade, mas que é refutada pela intelegentsia estabelecida. Na verdade, não passa ano que não se descubram indícios de um passado esquecido da Humanidade, sejam ruínas inexplicáveis em vários pontos do globo, métodos de construção incompatíveis com as tecnologias actuais, seja o nosso próprio ADN que, segundo alguns cientistas, apelidados de lunáticos ou renegados, contém elementos que não só não são aleatórios como terão origem não-terrestre.

Sim, o leitor mais atento terá reconhecido o território de Erich Von Daniken, Graham Hancock, da série de TV do canal História «Ancient Aliens», e legiões de outros autores que têm procurado dar uma outra interpretação aos mistérios do passado humano. Portanto, fica aqui o aviso: Criacionistas radicais e Darwinistas ortodoxos, este filme não é para vocês. No mínimo vai-vos fazer gritar de raiva. E aqui na Terra quase toda a gente vos vai ouvir.

A tripulação da Prometheus atinge o seu objectivo e descobre não exactamente com surpresa que não só o homem não está sozinho na galáxia como muitas vezes é melhor não procurarmos respostas definitivas pois podemos não gostar mesmo nada do que encontramos.

Ridley Scott é, antes de mais, um grande visionário, um autor que sabe como poucos contar a sua história através de imagens, que não só fazem progredir a narrativa como deixam profunda impressão em quem as vê. «Prometheus» é um exemplo definitivo do talento de Scott que, desta feita, usa o 3D não como um elemento comercial postiço mas sim como parte integrante de uma narrativa imersiva onde, de modo subtil, nos convida a meditar sobre temas tão velhos quanto a Humanidade. Como é seu hábito, Scott fez-se rodear da nata da produção visual, da caracterização, dos efeitos especiais, que aqui têm um papel de enorme impacte. Porém, é a dimensão humana, as personagens e a sua interacção que fazem deste filme algo de atípico num mercado povoado por heróis de collants com excesso de esteróides, comédias românticas para lobotomizados, fitas de acção com violência cartunesca, etc.

Tal como no Alien original, a heroína é uma mulher, uma arqueóloga possuída pelo desejo de desvendar as nossas origens ancestrais, que é interpretada de forma magistral pela temerária Noomi Rapace, que cria aqui mais um desempenho marcante e que nos dá uma protagonista completamente original no universo FC. Só a impressionante sequência no bloco operatório é prova de que Noomi não deve nada a Sigourney Weaver no que diz respeito a espírito de sobrevivência. A coadjuvá-la está o camaleónico Michael Fassbender, que aqui interpreta um andróide de maneiras delicadas mas intenções nem sempre muito claras. O resto do elenco é liderado por Charlize Theron, como a gélida herdeira do império Weyland, Idris Elba, como comandante da nave, e ainda Guy Pearce como o mandatário da expedição. Visualmente, o filme é fascinante e, por vezes, de uma beleza arrebatadora, a acção é comedida mas frenética e surpreendente, o que talvez não seja suficiente para os incondicionais do fogo-de-artifício constante. Mas para quem gosta de um filme intelectualmente provocante, uma boa narrativa de ficção científica ou ainda um drama empolgante, «Prometheus» é um filme que decerto não desapontará.

Título original: Prometheus Realização: Ridley Scott Elenco: Noomi Rapace, Charlize Theron, Michael Fassbender, Idris Elba, Sean Harris, Rafe Spall, Guy Pearce. Duração: 124 min. EUA/Reino Unido, 2012

[Crítica publicada originalmente na revista Metropolis nº 0, Junho 2012]

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