Quem é fã de filmes musicais provavelmente já deu por si a tentar explicar, a um cético, os méritos deste género cinematográfico. Por norma, a primeira resposta que recebe é: “mas as pessoas não cantam no mundo real”.

Foi exatamente esta a reação que Luís Molina (Tonatiuh) teve quando começou a partilhar com Valentín Arregui (Diego Luna) a sua paixão por musicais e a contar as histórias dos seus filmes favoritos. Mas não julguemos Arregui, prematuramente. Afinal, ambos estavam encarcerados numa prisão de Buenos Aires, em 1983, durante a ditadura militar argentina. Molina por um ato de indecência pública; Arregui por atos políticos ligados a um grupo revolucionário. No meio da vida da prisão, da violência e da tortura, que interesse teria falar de filmes musicais?

«O Beijo da Mulher Aranha» (2025) parte da justaposição entre estes dois planos. Por um lado, a realidade. Por outro, a forma como Molina conta e recria, dia após dia, os musicais que marcaram a sua vida. Embalado pelas suas palavras, o ecrã abandona a prisão e mostra-nos números musicais glamorosos, numa reminiscência do technicolor e Old Hollywood.

O filme prossegue através destes dois mundos diametralmente opostos e a colisão entre eles é áspera e carregada de sentidos. Molina e Arregui estão na pequena cela, mas também dão corpo às personagens das histórias fantásticas que são contadas. Há paralelismos óbvios e mais subtis, mas, sobretudo, um escape mágico contra a realidade que os sufoca. Este cenário de faz-de-conta aproxima-os e está na base do elo que acaba por se formar, entre os dois.

Jennifer Lopez é o terceiro elemento deste filme, ao interpretar a atriz Ingrid Luna, musa de Molina, e protagonista da história musical que é contada: “O Beijo da Mulher Aranha”, onde Lopez, como Luna, interpreta Aurora e a Mulher Aranha.

O carisma de Tonatiuh e a amplitude da interpretação de Diego Luna (tanto como revolucionário taciturno, como galã de Old Hollywood) carregam o filme. Já Lopez, apesar da energia e virtuosismo no campo dos musicais, carece do magnetismo intemporal das grandes divas de Hollywood, como a sua Ingrid Luna teria sido.

Com realização de Bill Condon, um nome muito acostumado ao género musical («Dreamgirls», «A Bela e o Monstro»), o enleio entre realidade e fantasia primeiro estranha-se, depois entranha-se.  Trata-se, ainda assim, de uma mescla difícil de gerir. Não só em termos de equilíbrio e desequilíbrio entre ilusão e realidade, mas também nos diversos temas apresentados, com drama político, romance e fantasia.

A longo das duas horas, a narrativa tem bons momentos, embora nem sempre os consiga fazer perdurar. Talvez porque a força da fantasia, que absorve Molina e Arregui, não seja suficiente para absorver o público em todos os momentos. Sem essa força magnética, a transição para a realidade também perde impacto, quando abandonamos os grandes números musicais coloridos e regressamos à prisão.

O filme baseia-se no musical com o mesmo nome, por sua vez baseado no livro de Manuel Puig, de 1976. A obra de Puig já tinha dado origem ao filme de 1985, com Raul Julia, William Hurt e Sónia Braga.

Título original: Kiss of the Spider Woman Realizador: Bill Condon Elenco: Diego Luna, Tonatiuh, Jennifer Lopez Origem: México, Estados Unidos Duração: 129 minutos Ano: 2025

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