Page 177 - Revista Metropolis nº122
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© ERNEST COLE







            os negros na pátria amada e aziaga que o viu nascer.   condições em que viviam os negros separados dos
            Por exemplo, uma das fotografias mostrava um grupo   brancos num permanente exercício de segregação
            de mineiros, sem qualquer roupa, encostados de    em que a repressão das mais elementares liberdades
            forma humilhante a uma parede e de braços no ar,   cívicas era diariamente assumida pelos agentes do
            para uma inspecção dita sanitária. E não era sequer a   poder dominante, incluindo o de alguns africanos
            mais revoltante. Havia outras onde eram visíveis de   iludidos com os favores que julgavam obter junto
            forma explícita ou nas entrelinhas manifestações de   dos patrões. Na sua primeira etapa fora da África do
            similar violência. Quem quisesse observar essa obra   Sul, onde sempre quis voltar mas cujo regresso lhe
            com olhos de ver reconhecia os diferentes graus de   foi negado pelas autoridades racistas, Ernest Cole
            desumanização que recaíam sobre a classe operária   aterra em Nova Iorque, e na Big Apple vai colaborar
            sul-africana, sobre simples pessoas contratadas e   com publicações como a Ebony e a Drum e ainda
            mal pagas para serviços de segunda categoria, ou   o New York Times, com o qual, aliás, já possuía
            sobre o cidadão comum que em casa ou nas ruas era   correspondência na área do fotojornalismo desde
            sistematicamente oprimido e empurrado para os     os anos cinquenta. Entretanto, o destino quis que
            bairros de lata, para a pobreza, para a fome, ou seja,   a sua chegada aos EUA coincidisse com um dos
            para as margens da sociedade do bem-estar destinada   momentos mais conturbados da luta pelos direitos
            a whites only. Estas fotografias representavam    civis. Ernest Cole opta por dedicar-se a um exercício
            assim de forma directa e corajosa uma visão crua   que irá confessar ser muito perigoso, o de registar
            do ser negro na África do Sul, ampliadas aos olhos   as condições de vida e a consequente resistência
            do mundo numa selecção pictórico-literária onde   dos negros americanos. Chega mesmo a dizer que
            o autor expunha e de algum modo denunciava as     na África do Sul vivia com o medo de ser preso e







                                                                                        METROPOLIS SETEMBRO 2025   177
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