Page 163 - Revista Metropolis nº122
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Para lá do suspense imediato, «The Long Walk - O   provocar momentos de estagnação narrativa.
            Desafio» (2025) funciona como um comentário       Ainda assim, o equilíbrio entre a contenção dos
            incisivo sobre sociedades que transformam a       atores e a tensão crescente impede que o filme
            violência em entretenimento e normalizam o        resvale para a monotonia. Lawrence demonstra
            sacrifício da juventude em nome de um espetáculo   mestria em manter a corda esticada entre a
            coletivo. A marcha torna-se uma metáfora cruel    crueldade da premissa e a empatia que o público
            de sistemas autoritários, mas também um espelho   desenvolve pelas personagens, mesmo sabendo que
            das audiências contemporâneas, sempre dispostas   apenas uma sobreviverá. O resultado é uma obra
            a consumir sofrimento desde que enquadrado        intensa, desconfortável e por vezes árida, mas que
            como competição. Francis Lawrence acentua esta    dificilmente deixará alguém indiferente.
            crítica sem recorrer a discursos panfletários: basta
            a sucessão de corpos que caem e a indiferença     «The Long Walk - O Desafio» (2025) procura
            dos que continuam a caminhar para expor o         afirmar-se como uma experiência cinematográfica
            esvaziamento moral de um mundo dominado pela      dura e perturbadora, que não procura agradar, mas
            obediência e pela promessa de uma recompensa      sim confrontar. É um filme que exige paciência
            ilusória.                                         e resistência, tal como a própria caminhada,
                                                              mas que recompensa o espectador com uma
            Enquanto adaptação, «The Long Walk - O Desafio»   reflexão inquietante sobre poder, obediência e
            (2025) consegue preservar a essência do livro de   o preço da sobrevivência. Estamos perante um
            Stephen King, mas nem sempre escapa ao risco      retrato implacável da condição humana quando
            da repetição. A insistência em mostrar a mesma    mergulhada em sistemas que transformam
            estrada, os mesmos gestos e a mesma cadência      a vida em espetáculo e a morte em rotina.
            pode reforçar a sensação de desgaste, mas também   SARA QUELHAS





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