Page 161 - Revista Metropolis nº122
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pela jovem fotógrafa. Com o tempo, percebemos:    o seu fado. A realizadora anuncia a notícia a
            Hassona aceitou o destino, normalizou a miséria,   Fatima: o sorriso dormente transforma-se em
            abraçou a fome com um determinismo trágico.       felicidade, “parabéns”. Depois o brinde: “Dá-me
            O que resta é esse sorriso. O que a separa dos    o teu passaporte, vens a Cannes apresentar o
            animais, como talvez Primo Levi diria numa outra   filme.” Euforia. Pela primeira vez sairia de Gaza.
            tese de “Se Isto é um Homem”: a manutenção        A Riviera Francesa seria o início da sua jornada
            da Humanidade, pequeno traço que seja, em         pelo mundo. Mas o destino assim não quis. Na
            confronto com a desumanidade, e talvez Adorno     madrugada seguinte a essa conversa, Fatima e a
            tivesse razão: não há tempo para poesia. Mas o    família foram mortos por tropas israelitas que
            sorriso… repito, porque aquele sorriso é político,   entraram pela sua casa adentro, sob a desculpa
            é resistência. O filme encerra-se com a revelação   de ameaças ao Estado. A obra encerra com essa
            do próprio filme: Farsi encontra, nessas conversas   legenda. Sobem os créditos. Acendem-se as
            durante um ano, material para um documentário     luzes. Bem-vindos de volta ao mundo exterior.
            a solo. Submete-o a Cannes; é seleccionado        Depois disto, como não ser político? Porque
            para a secção ACID. Sem saber, faltava apenas     nós, humanos, sempre fomos animais políticos.
            uma cena, fatídica, que fecharia a obra e selaria   HUGO GOMES












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